Solução caseira

 

Comuns na música erudita, instrumentos de sopro como saxofone, oboé e fagote não produzem som sem palhetas. São elas que, acopladas à extremidade do instrumento, recebem primeiro o sopro dos músicos para a execução de uma melodia perfeita. Os músicos que geralmente importam essas palhetas com altos custos têm agora uma alternativa nacional e menos onerosa para obtê-las.

A solução vem da gramínea Arundo donax, conhecida como cana-do-reino e usada para a fabricação de palhetas de instrumentos de sopro em países como França, Alemanha e Estados Unidos, que possuem mão-de-obra especializada para produzir o acessório. O professor de música Ebnezer Maurílio Nogueira da Silva, do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), constatou que a planta também é encontrada na capital brasileira e agora está investindo nessa espécie para a fabricação de palhetas.

Silva é agora o representante brasileiro da produção desses acessórios a partir da cana-do-reino, que começou no quintal de sua casa. Além de plantar a gramínea, o professor usa um maquinário próprio para confeccionar até 12 tipos diferentes de palhetas para seus alunos na UnB. E já planeja, futuramente, expandir a fabricação para beneficiar outros músicos e estudantes com as palhetas nacionais.

Segundo Ebnezer da Silva, a importação de uma caixa com 10 palhetas simples, usadas em clarinete e sax, por exemplo, pode custar até R$ 250. Para tocar oboé ou fagote, um músico precisa desembolsar no mínimo R$ 10, preço de um gomo de Arundo donax importado. “Não existe som sem as palhetas. É o mesmo que um violão sem cordas”, compara o professor. “Como cada instrumento possui sua própria palheta, é importante levar em conta a qualidade da matéria-prima para obter um som aprimorado”.

Antes de identificar a espécie Arundo donax em Brasília, Silva vinha pesquisando espécies alternativas para fabricar as palhetas, como o gênero de bambu Merostachys, muito comum no centro-oeste brasileiro. Mas o som somente se igualou ao das palhetas importadas quando ele testou a A. donax, há dez anos. “Além de ser mais resistente e de fácil manuseio, essa espécie proporciona um som mais macio e ‘escuro’, ideal para os instrumentos”, explica o professor

Da colheita ao envelhecimento

A cana-do-reino (Arundo donax), gramínea usada para a produção das palhetas, é cultivada em zonas subtropicais de todo o mundo (foto: François Van Der Biest).

Segundo Silva, o processo de fabricação não é simples, já que a Arundo donax deve ser colhida entre os meses de maio e julho, quando tem menos seiva. Isso é necessário para evitar que o gomo apodreça, pois a palheta só pode ser fabricada após passar por um período de envelhecimento de quatro anos em média. “Para acelerar o envelhecimento da Arundo, adquiri uma estufa para a UnB com fundos próprios, e agora é possível reduzir esse tempo para uma semana”, conta Silva.

O interesse do professor pela fabricação das palhetas surgiu da observação da dificuldade de seus alunos da UnB para encontrar e comprar esses objetos. “Às vezes os alunos passavam um semestre inteiro tocando com uma ou duas palhetas, quando elas duram em média uma semana,” relembra.

Em 2006, Silva patenteou uma máquina de polimento das palhetas e realizou diversos estudos comparativos com a organização celular do bambu e da gramínea. “As células do bambu são mais compactas e estruturadas, enquanto as da Arundo são mais afastadas”, explica. Este ano, Silva investiu na produção das palhetas e começou a fornecer os acessórios para alunos de música da UnB, que estão tendo a chance de tocar seus instrumentos com objetos da mesma qualidade encontrada no exterior.

Silva ainda não lançou suas palhetas no mercado de instrumentos e concentra sua produção para uso próprio e de seus alunos. Músicos interessados em adquirir o material podem entrar em contato com ele pelo endereço eletrônico ebby@unb.br .

Juliana Marques
Ciência Hoje On-line
02/09/2008