Um novo item soma-se à lista de alimentos especialmente elaborados para tornar mais saudável o organismo de quem os ingere. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) criaram uma margarina capaz de combater a multiplicação de bactérias patogênicas presentes no intestino grosso.
O produto, desenvolvido durante o doutorado da bióloga Cínthia Hoch Batista de Souza na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, tem em sua composição a bactéria Bifidobacterium animalis subsp. lactis Bb-12.
Microrganismos do gênero Bifidobacterium são encontrados, por exemplo, em iogurtes que prometem a regulação do intestino. Essa é uma das características dos chamados microrganismos probióticos, ou seja, capazes de gerar efeitos benéficos para o nosso corpo. “A Bb-12 é uma das poucas bactérias com comprovação científica de ação probiótica”, afirma a bióloga.
Em sua pesquisa, Souza desenvolveu sete formulações diferentes da margarina, que alcançaram concentrações de até 100 milhões de unidades formadoras de colônia do microrganismo por grama do produto (ufc/g). Apenas uma não atingiu o limite mínimo de 1 milhão de ufc/g fixado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que um alimento seja considerado probiótico.
Rica em ácidos graxos essenciais
A margarina probiótica tem em sua formulação 60% de lipídios, provenientes de óleos de palma e canola. O uso desses óleos gerou um produto rico nos chamados ácidos graxos essenciais. “Esses ácidos graxos não são produzidos pelo nosso corpo e devem ser obtidos por meio da dieta, pois são importantes para o metabolismo e a formação de membranas celulares”, destaca a pesquisadora.
As margarinas existentes atualmente no mercado são produzidas com vários tipos de óleos vegetais – entre eles, os de milho, soja e a própria canola –, e todos contêm ácidos graxos importantes para o corpo.
Mas, segundo Souza, o óleo de canola é considerado um dos mais saudáveis, por ter elevada concentração de ácidos graxos ômega-3, que auxiliam na redução dos níveis de triglicerídeos no sangue e no controle da aterosclerose (formação de placas de gordura na parede das artérias).
Além disso, é fonte de vitamina E (antioxidante que reduz radicais livres) e de ácidos graxos poli-insaturados (que reduzem o colesterol LDL) e, quando comparado aos demais óleos vegetais, tem o menor teor de ácidos graxos saturados, o que lhe permite, portanto, ajudar a controlar o colesterol sanguíneo.
Assim como outras margarinas, o produto probiótico é livre de gordura trans, associada a doenças cardiovasculares. Isso porque os óleos usados na sua fabricação não passaram pelo processo industrial de hidrogenação – hoje abolido pela maioria das marcas de margarina.
“Em 10 gramas da nossa margarina, há 0,08 gramas de ácidos graxos trans, concentração menor do que o limite de 0,2 gramas/porção estabelecido pela Anvisa para que um alimento seja considerado livre desse tipo de gordura”, conta a bióloga.
A composição da nova margarina inclui ainda concentrados proteicos e inulina (fibra encontrada na banana, na cebola e principalmente na raiz da chicória). “Esses componentes, especialmente a inulina, auxiliaram na multiplicação do microrganismo probiótico”, afirma Souza.
Segundo a pesquisadora, em testes in vitro que simularam a ação do trato gastrintestinal, a inulina teve o papel fundamental de proteger a bactéria até sua chegada à etapa correspondente ao intestino grosso e servir como fonte de nutrientes para sua multiplicação.
Testado e aprovado
Os pesquisadores também investigaram o aspecto sensorial da nova margarina: 60 pessoas foram convidadas a provar o produto em diferentes etapas do seu armazenamento. Souza informa que os consumidores deram em geral notas acima de sete – em uma escala de zero a dez. Os voluntários notaram apenas diferenças mínimas de textura em comparação com as margarinas tradicionais.
Normalmente, queijos e iogurtes adicionados de microrganismos probióticos podem se tornar mais ácidos. Mas, segundo Souza, isso não foi perceptível na nova margarina, pois a bactéria Bb-12 fica dentro de glóbulos de água, que estão inseridos na estrutura lipídica do produto.
Graças a essa estrutura de gordura que engloba a Bb-12, também é possível preservar a bactéria viva nas condições internas do corpo humano. Os testes in vitro para avaliar a resistência do microrganismo ao trato gastrintestinal revelaram que a gordura protege a Bb-12 durante o processo de digestão, permitindo que ela passe intacta pelo baixo pH estomacal até alcançar sua área de ação, o intestino.
Apesar dos bons resultados, até agora nenhuma empresa se interessou em comercializar o produto. A bióloga pondera: “Chegamos a produzir 3 kg de margarina em escala laboratorial, mas a industrialização exigiria algumas adaptações que precisam ser testadas – como um aumento na concentração inicial de bactérias, uma vez que o processo industrial pode ser mais agressivo”.
Saulo Pereira Guimarães
Ciência Hoje On-line