A sabedoria popular diz que quem é pobre tende a ficar cada vez mais pobre. Quem consegue fugir a essa regra vira exemplo de superação. Um artigo que será publicado na edição desta sexta-feira (2/11) da revista Science traz uma possível explicação para isso.
Segundo os autores, essa tendência não está necessariamente ligada a um padrão de comportamento tradicional de famílias pobres ou ao contexto sociopolítico em que vivem, como alguém poderia alegar. A conclusão é que, diante da escassez de recursos, qualquer pessoa altera o modo de pensar e agir.
De acordo com o estudo, ter menos dinheiro faz com que um indivíduo se ligue mais intensamente em problemas mais imediatos e releve os menos urgentes, de modo que ele acaba economizando muito pouco e fazendo empréstimos. “A carência financeira cria sua própria psicologia”, resume o psicólogo Anuj K. Shah, professor de ciência do comportamento na escola de negócios Booth, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.
A afirmação é feita com base em uma série de cinco experimentos realizada pela equipe de Shah, que envolveu, ao todo, 525 voluntários. Os testes consistiam em jogos, de diferentes naturezas, nos quais os participantes recebiam a condição de ‘pobre’ ou ‘rico’ de modo aleatório.
Dinâmica de jogo
Os experimentos foram desde uma simulação do programa de TV norte-americano Wheel of Fortune (similar ao Roda a Roda, exibido na TV brasileira), em que os participantes precisam adivinhar palavras escondidas em um painel, até um jogo eletrônico em que os participantes usam um estilingue para disparar objetos em determinados alvos (semelhante ao jogo para computador e celular Angry Birds).
Nesses exemplos, quem acertasse mais palavras e quem atingisse mais alvos ganhava mais pontos e, no final, era premiado. Para os jogadores ‘pobres’, eram oferecidas menos chances em cada um dos jogos, enquanto os ‘ricos’ podiam participar mais vezes. Ao mesmo tempo, alguns participantes podiam emprestar chances, que seriam pagas em rodadas futuras.
“Os participantes ‘pobres’ usavam suas chances com mais cautela e gastavam mais tempo para tomar decisões, ou seja, estavam mais focados que os ‘ricos’”, conta Shah. Mas esse foco vinha com certo custo. “Como eles estavam muito atentos a determinados aspectos dos jogos, negligenciavam outros.”
A consequência foi que os participantes ‘pobres’ acabaram fazendo muitos empréstimos, especialmente nas rodadas em que estavam mais compenetrados, o que, no fim, era contraproducente – no resultado final, em uma comparação relativa de ganhos, perdiam para os ‘ricos’, que estavam menos focados.
Enquanto os participantes ‘ricos’ mantinham resultados parecidos quando podiam tomar empréstimos e quando não podiam, os ‘pobres’ iam melhor quando não tomavam empréstimo. Ou seja, o crédito piorava seu desempenho.
Na prática, o comportamento pode ser comparado ao da família com poucos recursos que toma decisões erradas, como fazer gastos com produtos supérfluos. Geralmente essas despesas são feitas a partir de empréstimos, que geram ainda mais dívidas.
Problema de foco
Para os pesquisadores, é justamente a atenção em um único problema que faz com que indivíduos de baixa renda não apenas economizem pouco e peçam dinheiro emprestado, como também participem mais de loterias e deixem de se inscrever em programas de assistência, o que resulta em dificuldade cada vez maior para sair da pobreza.
Para Shah, a descoberta permite que sejam pensados políticas e programas destinados a redirecionar a atenção das pessoas para necessidades futuras específicas, que permitiria a elas poupar algum dinheiro. Ele explica ainda que a mudança cognitiva que seu grupo observou pode se aplicar também à escassez de outros tipos de recursos, como tempo livre.
“Nenhum experimento pode explicar completamente como a pobreza ou a escassez de recursos guia o comportamento”, escrevem os autores no texto. “Nossas hipóteses, métodos e resultados oferecem um ponto de vista para o problema. Jogamos luz sobre as consequências cognitivas da pobreza.”
Em uma análise do trabalho que será publicada na mesma edição da Science, o economista Alix Peterson Zwane, da Fundação Bill & Melinda Gates, dos Estados Unidos, lembra que os economistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts Abhijit Banerjee e Esther Duflo já haviam afirmado, em artigo de 2009, que diminuir o número de decisões que as pessoas precisam tomar pode resultar na melhoria de suas vidas.
“Sob essas circunstâncias, padrões e normas, como opções uniformizadas de plano de aposentadoria, tornam a tomada de decisão mais fácil e podem ter grandes vantagens para o bem-estar da população”, conclui.
Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR