Luta por direitos básicos

Apesar dos avanços obtidos ao longo do século 20 em relação à legislação trabalhista brasileira, muitos direitos básicos conquistados pelos trabalhadores não são aplicados às empregadas domésticas e diaristas. Essa é a conclusão de um estudo realizado com domésticas sindicalizadas de todo o país, que aponta que as condições dessas trabalhadoras ainda mantêm algumas semelhanças com o período da escravidão no Brasil colonial.

Os resultados da pesquisa foram apresentados na tese de doutorado defendida por Joaze Bernardino-Costa no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). O estudo mostra que, apesar dos 70 anos de mobilização sindical, a classe continua sem direitos como a regulamentação da jornada de trabalho e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que é facultativo para o empregador.

Hoje no Brasil, cerca de 6,65 milhões de pessoas realizam trabalho doméstico, dos quais 93,2% são mulheres. Entre as que seguem a profissão, 59% das trabalhadoras são negras, 40% estão na faixa etária de 25 a 39 e aproximadamente 43,3% têm ensino primário incompleto. Somente 25% trabalham com carteira assinada. Apesar do número expressivo de empregadas domésticas, o percentual de trabalhadoras sindicalizadas é muito baixo: apenas 1,6%.

Bernardino-Costa levantou dados históricos e entrevistou cerca de 30 trabalhadoras ligadas aos sindicatos do estado da Bahia e das cidades do Rio de Janeiro, Recife, Campinas e Santos. De acordo com o sociólogo, o histórico de luta permitiu uma crescente ampliação dos direitos trabalhistas, mas a demora e a falta de interesse em efetivar os direitos das trabalhadoras domésticas têm raízes no imaginário popular.

“As domésticas muitas vezes nem são reconhecidas como trabalhadoras”, afirma. “Por trabalharem em um ambiente doméstico, muitas vezes desde criança numa mesma família, as relações podem ser regidas de maneira informal, muito pessoal. Uma das bandeiras de luta que percebi foi o estabelecimento de relações de trabalho mais formais.”

Vários discursos
Segundo Bernardino-Costa, a ausência de alguns direitos, as longas jornadas de trabalho e a falta de conforto nos cômodos reservados às trabalhadoras remetem a traços do período da escravidão. “Essa relação com as condições de trabalho dos antigos escravos foram mencionadas em muitas entrevistas”, comenta. “Até hoje, muitas pessoas identificam a imagem patronal como branca e a das empregadas como negra”.

Por razões como essa, de acordo com o sociólogo, o movimento sindical das trabalhadoras domésticas rompe radicalmente com o chamado sindicalismo clássico. “O discurso desse movimento abarca outros discursos, não apenas o de classe, mas também de gênero, de raça, entre outros”, explica Bernardino-Costa. E completa: ”por não se sentirem plenamente representadas pelos movimentos sindicalista e feminista, acabam por efetuar uma crítica a essas correntes.”

Leis trabalhistas
Bernardino-Costa afirma que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), sancionada por Getúlio Vargas em março de 1943, fazia uma única menção às empregadas domésticas, ao decretar que os direitos trabalhistas não seriam aplicados a elas. Apenas em 1972, quando elas ganharam direito a carteira de trabalho e férias, a profissão passou a existir “juridicamente”.

“Até 1972, as empregadas domésticas eram apenas citadas em leis para proteger as famílias”, explica o sociólogo. “No Rio de Janeiro, durante os primeiros anos do século 20, as trabalhadoras domésticas deveriam ser registradas nas delegacias de polícia. Elas também eram citadas em leis sanitárias, para que não levassem doenças para as casas onde trabalhavam.”

Apesar dos pequenos avanços obtidos pelas trabalhadoras domésticas em 1972 e, principalmente, com a Constituição de 1988, a situação das diaristas é ainda mais complexa. A legislação caracteriza como trabalhador doméstico quem presta um serviço de maneira contínua, o que é interpretado por alguns juristas como trabalho diário. Sem um vínculo de trabalho reconhecido, as diaristas ficam excluídas dos direitos conquistados. “Não há uma lei específica, apenas interpretações”, comenta Bernardino-Costa.


Igor Waltz 

Especial para a CH On-line
06/08/2008