Vejo até com uma boa pitada de humor esse tipo de expressão: ‘aves do terror’. Sei que talvez seja uma forma injusta de rotular um grupo de animais que, convenhamos, nada faz de diferente de todos os demais na sua luta pela sobrevivência. Porém, raramente uma expressão desse tipo é tão bem aplicada como para os Phorusrhacidae, um dos mais fascinantes grupos de aves que já existiram. Trata-se de formas terrestres que ocupavam o topo do topo da cadeia alimentar e deveriam ter sido os principais predadores no tempo em que viveram.
Agora uma descoberta realizada na Argentina que acaba de ser publicada no Journal of Vertebrate Paleontology revela diversas novidades sobre essas aves, que incluem interessantes inferências sobre o seu comportamento, inclusive sobre os sentidos da audição e visão.
Aves do terror
De uma forma simplificada, os Phorusrhacidae compõem um grupo de aves cujos primeiros representantes foram encontrados em depósitos formados há 60 milhões de anos, bem depois da extinção dos dinossauros não-avianos (ocorrida há 66 milhões de anos). Elas viveram até aproximadamente 2,5 milhões de anos atrás, quando foram extintas por causas ainda não bem compreendidas. Variam de 1 a 3 metros de comprimento, podendo chegar a pesar em torno de 350 kg.
Há quem aponte o surgimento do istmo do Panamá, uma porção de terra que ligou os continentes da América do Norte e da América do Sul mais ou menos por volta desse tempo, como o fator principal para a dizimação do grupo, já que possibilitou a migração de outros carnívoros, como cachorros e felinos, do norte para o sul, aumentando a competição na busca por presas.
A primeira descrição de uma espécie de ‘ave do terror’ foi realizada há muito tempo, mais especificamente em 1887 por Florentino Ameghino (1854-1911), importante paleontólogo argentino. Desde então, foram encontradas muitas novas espécies, totalizando quase duas dezenas. Praticamente todas foram encontradas na América do Sul.
A principal ‘ave do terror’ não-sulamericana é Titanis walleri, encontrada em depósitos de 3,1 milhões de anos no Texas (Estados Unidos). Com 2,5 metros de comprimento e pesando algo em torno de 150 kg, ela era uma das maiores do grupo. Existe também uma ocorrência na África de um fêmur incompleto e outros ossos fragmentados na Europa que poderiam pertencer a esse grupo.
No Brasil, também temos uma representante das ‘aves do terror’: o Paraphysornis brasiliensis, que tinha aproximadamente 2 metros de altura e foi encontrado em rochas de 23 milhões de anos no estado de São Paulo.
Entre as características principais dos Phorusrhacidae destacam-se a grande cabeça, que, junto com o bico maciço e em forma de gancho, deve ter sido uma importante ferramenta para destroçar as suas presas. As asas atrofiadas indicam claramente que não podiam voar, mas as suas pernas bem desenvolvidas sugerem que elam tenham sido boas corredoras.
O parentesco mais próximo se dá com a seriemas, formas viventes e também aves predadoras nativas da América do Sul, porém de tamanho e peso bem menores (menos de um metro, com peso variando de 25 a 30 kg). Ademais, as seriemas, cujo canto é bem peculiar, conseguem voar quando ameaçadas.
A descoberta
Liderados por Frederico J. Degrange, da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, pesquisadores descreveram o mais completo esqueleto de uma ‘ave do terror’. O exemplar foi encontrado em rochas formadas há aproximadamente 3,3 milhões de anos na praia de La Estafeta, situada em Mar del Plata, na província de Buenos Aires, costa leste da Argentina.
A nova espécie foi chamada de Llallawavis scagliai, inspirada na palavra llallawa, que, na língua de um povo indígena local, significa ‘magnífico’. O termo scagliai é uma homenagem a um importante diretor (Galileo Juan Scaglia, 1915-1989) de um museu local.
Llallawavis scagliai não era uma das maiores representantes do grupo, tendo aproximadamente 1,2 metros de altura e pesando menos de 20 kg. Porém, sua excepcional preservação permitiu aos pesquisadores realizar análises por tomografia computadorizada da região auditiva do animal, como também estabelecer inferências de seus movimentos.
Como resultado, Degrange e colegas puderam determinar que Llallawais tinha uma capacidade para ouvir sons com frequências em torno de 2.300 Hz, valor abaixo da média se comparado ao das espécies de aves viventes proximamente relacionadas aos Phorusrhacidae, como as próprias seriemas.
Tal fato levou à sugestão de que possivelmente Llallawais desenvolveu habilidades acústicas para sons de baixa frequência para comunicação entre membros da mesma espécie ou talvez para a identificação de presas. Os autores também puderam examinar a região da órbita do animal, onde encontraram os ossos escleróticos em perfeitas condições, o que permitiu ajustar a visão da córnea dessa ave, considerada de hábitos diurnos.
Embora os autores tenham ressaltado bem que esses resultados devem ser considerados preliminares e que mais análises desse tipo deveriam ser feitas em outras espécies de Phorusrhacidae, o mais interessante do estudo é o fato de que temos a possibilidade de refinar o comportamento das ‘aves do terror’.
Antes que eu me esqueça, vale a pena mencionar que essa dica para a coluna veio a partir de um dos autores do artigo, Matias Taglioretti, pelo Facebook. Mais leitores podem fazer o mesmo – também por e-mail.
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)
O Museu Nacional/UFRJ acaba de inaugurar a exposição Arte com Dinossauros. Tendo como base as obras do paleoartista Maurílio Oliveira, a mostra ficará em cartaz pelos próximos três meses na Quinta da Boa Vista, Bairro Imperial de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Para os que moram ou estejam passando pela cidade, vale a pena conferir!
José D. Ferreira (UFRGS) e colegas acabam de publicar nos Anais da Academia Brasileira de Ciências a descrição de novos materiais atribuídos ao gênero Panochthus, um gliptodonte (parente distante dos tatus) que viveu durante o Pleistoceno em diversas regiões da América do Sul. O estudo demonstra a importância do tubo caudal para a caracterização de diferentes espécies desse gênero.
No dia 6 de maio próximo, o colunista irá proferir na Academia Brasileira de Ciências (ABC) uma palestra sobre a importância da paleontologia de vertebrados no contexto do desenvolvimento da ciência no nosso país. Essa será uma entre diversas outras palestras agendadas para a Reunião Magna da ABC, que acontece entre os dias 4 e 6 de maio e tem entre os seus objetivos a integração de cientistas experientes com jovens e promissores talentos. A programação encontra-se no site da ABC. Quem tiver interesse pode se inscrever via e-mail (rmagna2015@abc.org.br), enviando nome, instituição e número de RG ou CPF.
David Varricchio e Daniel Barta, da Montana State University (Bozeman, Montana, Estados Unidos), fizeram um novo estudo sobre ovos de aves encontrados no deserto de Gobi, mais especificamente em estratos cretáceos da Mongólia atribuídos à Formação Djadokhta. Os autores conseguiram estabelecer que os ovos podem ser separados em dois grupos, um dos quais proporcionalmente grandes, atingindo um comprimento de 70 milímetros e um diâmetro máximo de 32 milímetros, e que representam uma nova espécie. A pesquisa foi publicada pela Acta Palaeontologica Polonica.
Julien Kimming e Brian R. Pratt, da University of Saskatchewan (Saskatoon, Canadá), acabam de publicar no Journal of Paleontology a ocorrência de um novo depósito com fósseis do Cambriano do Canadá. A descoberta foi feita em rochas da Formação Rockslide, que afloram nas Montanhas Mackenzie, situadas na região dos Territórios do Noroeste. Trata-se de restos de artrópodes e vermes, além de diversos trilobitas e braquiópodos.
Liderados por Qiang Yang (Capital Normal University, Pequim, China), paleontólogos descreveram três novas espécies de insetos neurópteros da Formação Yixian, do Cretáceo da China, tão famosa pelos seus restos de dinossauros e pterossauros. As espécies são representantes do grupo Aetheogrammatidae, encontrado apenas na Era Mesozoica, demonstrando que esses isentos eram mais diversificados do que se supunha. O estudo foi publicado na Cretaceous Research.