As selaginelas pertencem a um grupo vegetal surgido muito abundante entre 300 e 400 milhões de anos atrás, quando as plantas estavam começando a se estabelecer em meio terrestre. Na foto, uma representante da espécie Selaginella ornithopodioides (foto: Jean François Gaffard).
A botânica foi a primeira área da biologia que despertou meu interesse, graças a uma professora extraordinária chamada Marilene Braga. Com ela aprendi a anatomia dos diversos grupos vegetais, inclusive de fósseis-vivos como os licopódios e as selaginelas. Porém, o estudo dessas espécies primitivas não me causou muito entusiasmo na época, pois ambas são de pequeno porte e não possuem frutos ou flores.
Embora sejam pouco atraentes e passem facilmente despercebidas, essas duas plantas são alguns dos últimos representantes de um grupo vegetal que, há cerca de 300 a 400 milhões de anos (períodos Devoniano e Carbonífero), era muito abundante e apresentava espécies com inimagináveis 10 metros de comprimento. Licopódios e selaginelas são amostras vivas de uma longa epopéia iniciada quando os primeiros vegetais deixaram a água e invadiram o meio terrestre.
Os primeiros vegetais que ocuparam a terra foram provavelmente descendentes de algas charofíceas que habitavam a água doce. Esses organismos unicelulares apresentam características bioquímicas similares às observadas nas plantas, como, por exemplo, a presença de substâncias de revestimento celular como esporopolenina e cutina, compostos fenólicos e a enzima glicolato oxidase, envolvida na fotorrespiração celular.
Um ambiente pouco convidativo
A invasão da terra por esses organismos ocorreu entre 470 e 450 milhões de anos atrás e foi uma tarefa titânica, pois o meio terrestre oferecia condições muito pouco atrativas para qualquer ser vivo que tentasse ocupá-lo. Escassez de água e nutrientes no solo, amplas variações diárias e sazonais de temperatura, alta intensidade luminosa, níveis elevados de oxigênio e a menor densidade do ar para a sustentação dos organismos eram algumas das características que dificultavam a fixação dos vegetais no meio terrestre.
As sequóias norte-americanas podem ter mais de 100 metros de altura e viver por mais de dois mil anos (foto: US National Park Service).
Por outro lado, naquela época a terra possuía um grande número de nichos não sujeitos à competição e era, portanto, um local repleto de oportunidades para os organismos que conseguissem superar as dificuldades de viver ali. Por isso, no decorrer de milhões de anos e após inúmeras tentativas frustradas de ocupação, os vegetais que possuíam características que garantissem o suporte estrutural, a osmorregulação e a reprodução nesse ambiente foram selecionados evolutivamente.
O surgimento de tecidos de sustentação rígidos e de um sistema condutor eficiente capaz de transportar água, nutrientes, sais minerais e hormônios para as diferentes partes dos vegetais pertmitiu que plantas como algumas árvores das florestas tropicais ou as sequóias norte-americanas alcançassem mais de uma centena de metros de altura e se tornassem os seres vivos mais longevos do planeta, alcançando mais de 2000 anos de vida.
A dependência do meio aquático para a reprodução foi eliminada. Entre os grupos vegetais primitivos como os musgos (briófitas), a fecundação ainda ocorre na água. Porém, entre as gimnospermas e angiospermas, os grupos vegetais mais evoluídos, os gametas masculinos são transportados pelo vento ou por outros seres vivos (polinização) e a fecundação não depende mais da água.
O desenvolvimento das folhas permitiu a otimização da captação dos raios solares utilizados na fotossíntese. A perda de água pela transpiração excessiva que poderia resultar desste processo foi evitada com o surgimento de uma cutícula que cobre e impermeabiliza as porções expostas áereas dos vegetais.
Contudo, a presença desse revestimento poderia dificultar a captação e dispersão de gases. Para evitar esse problema, pequenos poros localizados nas folhas e conhecidos como estômatos surgiram como uma forma de controlar a captação de CO 2 do ambiente. Secundariamente, os estômatos também são utilizados para regular os níveis de água nas plantas, auxiliando assim o controle térmico desses seres.
Os estômatos são estruturas que controlam a captação de gás carbônico do ambiente e regulam os níveis de água das plantas. A foto da esquerda mostra uma microscopia eletrônica de varredura de estômatos (células azuis) na superfície de folhas; a da direita mostra em detalhe um estômato aberto.
Estômatos e CO 2
As plantas são capazes de regular a abertura e fechamento dos estômatos de acordo com os níveis de gás carbônico (CO 2) na atmosfera e suas necessidades de manutenção de água. Além disso, tem sido observado que plantas que habitam locais onde há níveis maiores de CO 2
possuem menos estômatos do que aquelas que vivem em ambientes onde há níveis menores desse gás.
Tendo em mente essa característica dos vegetais, a equipe do biólogo Gregory Retallack, da Universidade do Oregon (EUA), avaliou os níveis de CO 2durante a história geológica da Terra a partir de amostras de folhas fósseis. A densidade de estômatos fósseis foi comparada com valores obtidos em espécies similares vivendo em estufas com níveis diferentes de gás carbônico. A análise dos dados mostrou que ocorreram aumentos nos níveis de CO 2
em períodos em que houve extinções em massa em nosso planeta, como a que ocorreu há 65 milhões de anos, no final do período Cretáceo.
A relação entre o aumento nos níveis de CO 2na atmosfera e o aquecimento global é consensual para a comunidade científica, o que tem motivado uma série de apelos para que os governos se comprometam a diminuir os níveis de emissão desse gás, conforme estabelece o Protocolo de Quioto. No entanto, países ricos como os Estados Unidos – o principal responsável pelas emissões de CO 2
pela queima de combustíveis fósseis – têm questionado a validade desses dados e mesmo sugerido cinicamente que o aquecimento global é um fenômeno normal e cíclico e que por isso não representaria uma ameaça para o planeta.
Por isso, os cientistas têm tentado provar que níveis elevados de CO 2levam ao efeito estufa e, conseqüentemente, ao aquecimento global. Contudo, as tentativas de relacionar esses fatos através de quantificação dos níveis de CO 2
em rochas antigas e em seres fósseis têm sido pouco conclusivas.
As descobertas de Retallack e equipe são fundamentais para que se possa estabelecer essa relação. Os cientistas mostraram de forma elegante que o aumento dos níveis de CO 2
ocorreram em períodos nos quais houve episódios de extinção em massa em nosso planeta, causados provavelmente por modificações climáticas drásticas. Resta-nos agora, portanto, fazermos nossos governos acreditarem na ameaça ao planeta e cumprirem suas responsabilidades…
Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line
03 /11 /
2006
SUGESTÕES PARA LEITURA
Sobre o Protocolo de Kioto: http://unfccc.int/resource/docs/convkp/kpeng.html
Paoletti E., Grulke N.E. (2005). Does living in elevated CO2 ameliorate tree response to ozone? A review on stomatal responses. Environ Pollut ., vol. 137, p. 483-93.
Leaf D., Verolme H.J., Hunt W.F. Jr. (2003). Overview of regulatory/policy/economic issues related to carbon dioxide. Environ Int. , vol. 29, p. 303-10.
Retallack, G.J. (2002). Triassic-Jurassic atmospheric CO2 spike. Nature , vol. 415, p. 387-8.
Retallack, G.J. (2002). Carbon dioxide and climate over the past 300 Myr. Philos.Transact. A Math. Phys. Eng Sci, vol. 360, p. 659-73.
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Edwards, D., Kerp,H., Hass, H. (1998). Stomata in early land plants: an anatomical and
ecophysiological approach. J. Exp Bot , vol. 49, p. 255-278.