A física é uma das chamadas ciências duras – ou hard sciences, para usar o termo consagrado em inglês. Isso significa que essa ciência investiga a natureza por meio de teorias e experimentos que permitem a verificação dos seus princípios e teorias, em qualquer lugar e instante. A construção do conhecimento físico realizada ao longo de séculos estabeleceu modelos que conseguiram alterar a nossa forma de ver e compreender o mundo.
Desde a defesa fervorosa do modelo heliocêntrico (que colocou o Sol no centro do Sistema Solar) feita por Galileu (1564-1642) até as modernas teorias de unificação das interações fundamentais, a física vem obtendo grande sucesso na descrição do universo.
Essa galeria de êxitos inclui ainda a famosa história da queda da maçã e do movimento da Lua (que provavelmente é apenas uma lenda), que teria inspirado Isaac Newton (1643-1727) a construir os fundamentos da mecânica. Completam esse quadro outras teorias físicas como as leis da termodinâmica e mecânica estatística, a teoria eletromagnética de Maxwell, a teoria da relatividade ou a mecânica quântica, entre outras.
Contudo, para o público em geral a física é ao mesmo tempo misteriosa, pouco acessível e desinteressante. Basta perceber como muitos estudantes do ensino fundamental e médio não apreciam essa disciplina, que lhes inspira horror. Muitos têm dificuldade para aprendê-la e tentam fugir de carreiras que exigem seu conhecimento. Na maioria das vezes, “aprendem” física apenas porque seus conceitos são cobrados nos vestibulares.
Esse problema não ocorre apenas no Brasil, mas também em muitos outros países da Europa e também na América do Norte. Algumas vezes o pouco interesse pela física é atribuído à matemática utilizada para a sua descrição. Mas será mesmo esse o problema? Como algo tão importante para a civilização humana pode ser tão incompreensível para grande parte da população?
Física no cotidiano
Vivemos em um mundo no qual grande parte da tecnologia cotidiana é fruto direto ou indireto dos conhecimentos da física. Aparelhos de televisão, telefones celulares, iPods, computadores, internet e muitos outros só puderam ser desenvolvidos graças aos avanços da física na compreensão dos segredos da matéria. No entanto, parece que só uma pequena parte da população se interessa por conhecer essa disciplina.
Um dos maiores méritos da física talvez seja também seu maior obstáculo para cativar as pessoas: sua simplicidade para abordar de forma profunda problemas simples da natureza. Na grande maioria das vezes, é necessário exercer muita abstração para compreender os modelos físicos.
Esses modelos geralmente são formulados em um primeiro momento para descrever as situações mais simples. A partir desse avanço, os modelos vão ficando mais complicados, mas ao mesmo tempo limitados a determinadas situações. Um exemplo disso é a descrição do movimento dos corpos. Esse costuma ser o primeiro conceito de física apresentado nas séries finais do ensino fundamental e no início do ensino médio.
Clique na imagem para assistir ao vídeo do experimento realizado pelo astronauta norte-americano David R. Soctt durante a visita da missão Apollo 15 à Lua em 1971. O astronauta solta ao mesmo tempo uma pena e um martelo, e ambos caem simultaneamente no solo lunar. O resultado mostra que a massa de um corpo não afeta seu tempo de queda, conforme apontara Galileu Galilei no século 17 (vídeo: Nasa).
Ensina-se que a velocidade da queda dos corpos é independente de sua massa, ou seja, não importa se um corpo é mais pesado que o outro, pois a aceleração que a gravidade provoca sobre ambos é sempre a mesma.
No entanto, todos sabemos que, ao soltar uma pena e um martelo, certamente o segundo chegará primeiro ao chão, pois a resistência do ar influencia o movimento. Só verificaremos que ambos chegarão ao solo simultaneamente se o experimento for realizado na ausência do ar, como fez o astronauta americano David Randolph Scott na superfície lunar, como mostra o vídeo ao lado.
Embora a maioria dos professores de física se esforce para passar essa ideia, quase sempre o sucesso é limitado, pois a compreensão de uma lei simples como essa requer um exercício de abstração. A depender da altura, a descrição completa da queda de um objeto no ar se torna tão complexa que deixa de ser acessível para as pessoas em geral.
A importância da abstração
A abstração é um dos requisitos fundamentais para se entender a física. À medida que os conceitos vão ficando mais complexos, mais abstratos eles se podem se tornar. Os princípios em jogo na teoria da relatividade ou na mecânica quântica só podem ser observados no resultado de experimentos sofisticados, cuja interpretação requer conceitos aos quais não estamos acostumados.
Para que a influência da teoria da relatividade sobre algum objeto seja perceptível, é necessário que ele esteja viajando em uma velocidade próxima à da luz. Conceitos como dilatação do tempo e contração do espaço não aparecem no nosso dia-a-dia, pois as velocidades típicas com que nos deslocamos, mesmo em viagens aéreas, é cerca de 1 milhão de vezes menor do que a da luz (que é de aproximadamente 1,08 bilhões km/h).
Embora o efeito da teoria da relatividade sobre os objetos presentes em nosso cotidiano seja imperceptível para nós, ela é essencial para o funcionamento preciso de equipamentos científicos de grande precisão, como o acelerador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas (foto: divulgação / LNLS).
Apesar disso, máquinas como o acelerador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas (SP), só funcionam porque a máquina foi projetada de acordo com essa teoria.
No caso da mecânica quântica, a física que estuda o mundo nanoscópico, em particular os átomos, os resultados previstos podem parecem muito mais estranhos. Conceitos como dualidade onda-partícula, quantização da energia, não localidade e outros tornam-na ainda mais misteriosa. No entanto, a tecnologia que envolve a eletrônica e energia nuclear são exemplos da sua aplicabilidade.
Além disso, como esses conceitos fogem muito da nossa realidade cotidiana, muitas vezes eles são utilizados para explicar fenômenos que não têm qualquer ligação com o escopo da física quântica. Como muitas dessas ideias podem parecer bizarras para algumas pessoas, inclusive cientistas e pesquisadores, os conceitos quânticos são usados às vezes de forma equivocada para explicar fenômenos ditos paranormais ou para justificar atitudes e procedimentos esotéricos baseados nos princípios da mecânica quântica, configurando o que chamamos de pseudociência.
Se a física ainda é distante da maioria das pessoas, parte da culpa vem dos próprios físicos, que muitas vezes não se preocupam em traduzir os conhecimentos de sua disciplina de uma maneira acessível para as pessoas não iniciadas. Infelizmente ainda carecemos de muitos professores de física no Brasil – algo em torno de 80 mil –, sendo que são formados apenas alguns poucos milhares por ano.
Entretanto, essa tendência tem mudado nas últimas décadas. Os cientistas, em particular os físicos, cada vez mais percebem que é de fundamental importância mostrar às pessoas que essa ciência tem uma extraordinária beleza e capacidade de ampliar os nossos horizontes, tornando-a atraente mesmo para aqueles que ainda não a conhecem.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos
17/04/2009