Para melhor apreciação desta coluna, talvez seja conveniente iniciarmos com uma metáfora. Creio que todos já tenham visto crianças brincando nessas camas elásticas ou pula-pula, tão comuns em áreas de lazer de grandes condomínios.
A ejeção de uma criança a uma grande altura só não ocorre porque todas as outras saltam de modo desordenado. Saltam em diferentes pontos da cama e em diferentes momentos. Se apenas uma criança ficar na cama e as demais se posicionarem a certa altura acima da cama e caírem todas sobre ela simultaneamente, a criança que ficou será ejetada a uma grande altura.
Na terminologia da física diz-se que, no caso desordenado, as crianças executaram movimentos incoerentes, ou fora de fase. No segundo caso, têm-se movimentos em fase ou movimento coerente. É esse tipo de movimento coerente que está na base do funcionamento de um laser, cuja denominação é o acrônimo em inglês para a expressão ‘amplificação da luz pela emissão estimulada de radiação’.
A luz produzida por uma lâmpada incandescente ou fluorescente resulta da emissão espontânea de fótons por diversos átomos excitados no material da lâmpada. Trata-se, portanto, de uma luz incoerente, pois cada átomo irradia independentemente dos outros, sem qualquer correlação.
Esse processo é similar aos pulos desordenados das crianças na cama elástica. Se fosse possível excitar todos os átomos ao mesmo tempo e provocar a desexcitação simultânea, o resultado seria uma luz coerente, muito mais intensa.
Amplificação da luz
Tal possibilidade foi imaginada por Einstein em 1917 e verificada experimentalmente nos anos 1950. Era o início do laser, um dispositivo contendo basicamente três componentes: cavidade óptica, meio ativo e sistema de bombeamento.
A cavidade óptica, onde ficará o meio ativo, consiste em dois espelhos nas extremidades, sendo um semitransparente, para deixar passar parte da luz gerada no interior da cavidade. O meio ativo pode ser sólido, líquido ou gasoso, mas os semicondutores sólidos são os mais usados.
O sistema de bombeamento pode utilizar uma lâmpada de alta potência, uma descarga elétrica em gases ou a injeção de cargas elétricas em uma junção semicondutora.
Qualquer que seja o meio ativo e o mecanismo de bombeamento, o princípio é o mesmo. No bombeamento, elétrons são excitados e fótons são criados. Esses fótons ficam em um intenso movimento de vaivém entre os espelhos e cada vez que interagem com os átomos do meio ativo colocam mais elétrons no estado excitado.
Em determinado momento, há mais elétrons no estado excitado do que no estado fundamental. É a tal inversão de população, muito citada em artigos científicos, e similar ao posicionamento de todas as crianças a certa altura acima da cama elástica na metáfora que usei no início do texto.
Nesse momento, em vez de provocar excitação, a próxima interação do fóton estimulará a desexcitação simultânea de todos os átomos, resultando na radiação laser, intensa e coerente, porque constituída de uma grande quantidade de fótons absolutamente idênticos. É a tal amplificação que consta do acrônimo laser.
Quasipartículas bosônicas
Assim como o laser tradicional, o laser de poláriton (ou polariton) – cujos conceitos básicos foram apresentados na coluna de julho – necessita de uma cavidade óptica, de um meio ativo e de um mecanismo de bombeamento. Mas, ao contrário do laser tradicional, no laser de poláriton não há necessidade da inversão de população nem da emissão estimulada.
Essencialmente, o dispositivo consiste em uma cavidade micrométrica, fabricada com técnicas de filmes finos, no interior da qual é depositada uma mistura de semicondutores dopados.
Fótons podem ser produzidos nesse interior, seja pela ação de um feixe de laser convencional ou por meio de uma corrente elétrica. Portanto, o interior da cavidade está cheio de éxcitons (pares elétron-lacuna, como explicado na coluna anterior) e fótons.
É possível fabricar o sistema de modo que os fótons e os éxcitons tenham a mesma energia. Nessas circunstâncias, a interação entre eles dá origem aos poláritons, quasipartículas bosônicas que tendem a se juntar no nível mais baixo de energia, conhecido como condensado de Bose-Einstein, como descrito na referida coluna. Nesse estado, elétrons e lacunas se recombinam e emitem fótons sob a forma de um feixe coerente.
Aplicações tecnológicas
Esse dispositivo foi concebido no início dos anos 1990 e, desde então, vários modelos foram construídos. Logo se percebeu sua potencialidade em aplicações tecnológicas, desde que algumas dificuldades técnicas fossem superadas.
Por exemplo, estamos habituados com a comunicação entre centros de processamento de dados através de fibras ópticas, em substituição aos fios de cobre. Isso é feito com laser convencional e permite ganhos na quantidade de informação transmitida e na rapidez da comunicação.
Um sonho seria fazer a mesma coisa nos circuitos integrados no interior dos chips, mas isso é impossível com o laser convencional e com os primeiros modelos de laser de poláriton, uma vez que esses usam laser convencional para o bombeamento e funcionam em temperaturas abaixo de 0 ºC.
Foi justamente a superação dessas dificuldades – criando-se a expectativa de que o laser de poláriton possa ser usado em chips –, relatada em artigo publicado recentemente por pesquisadores da Universidade de Michigan (Estados Unidos), que causou tanto impacto no jornalismo científico.
O bombeamento, que promove a criação de fótons e pares elétron-lacuna (éxcitons), é produzido por corrente elétrica – e não por laser convencional –, e o feixe de luz ultravioleta, resultante do decaimento dos poláritons, é liberado quando a corrente atinge um valor 250 vezes menor que o necessário em um laser convencional com o mesmo tipo de material.
Trata-se, portanto, de um dispositivo micrométrico, de baixo consumo de energia e acionado por corrente elétrica. Pode ser ligado e desligado muito mais rapidamente do que um laser convencional, uma característica fundamental para a fabricação de circuitos lógicos rápidos, para uso em chips fotônicos. É tudo o que se deseja para integração em chips.
Acredita-se que a facilidade de fabricação facilitará sua comercialização. Mas, por sua baixa potência, não poderá ser usado para cortar metais nem para fazer depilação, como pretendia uma leitora da coluna anterior.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana