Feynman, o profeta da nanotecnologia

 

 

Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física de 1965, pelos estudos sobre eletrodinâmica quântica.

Na noite de 29 de dezembro de 1959, o físico norte-americano Richard Phillips Feynman (1918-1988) proferiu a palestra de encerramento do encontro da Sociedade Americana de Física, naquele ano organizada pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia, o famoso Caltech. No auditório do Hotel Huntington-Sheraton, no centro de Pasadena, aproximadamente 300 pessoas aguardavam ansiosamente a palestra, que, como sempre, deveria ser divertida e provocativa, como só Feynman era capaz de proporcionar. E outra coisa não se poderia esperar de uma palestra intitulada ‘Há muito espaço lá embaixo’.

Orador e escritor reconhecidamente convincente, Feynman nem por isso entusiasmou seus ouvintes, pelo menos não ao nível de empreenderem ações imediatas para a concretização das idéias ali expostas. Se o ceticismo foi o sentimento dominante entre seus pares, nos meios de comunicação de massa e divulgação científica a palestra teve estrondosa repercussão.

Considerada a semente da nanotecnologia, aquela palestra realmente soa hoje como verdadeira profecia. Em momento algum Feynman usou o prefixo nano, ícone da moderna literatura científica. Ele falava em “manipular e controlar coisas em escala atômica”, “arranjar os átomos da maneira que queremos”, “dispor os átomos um por um da forma que desejamos”, essas coisas que hoje fazem parte da atividade experimental na área da nanotecnologia. A propósito, na base de dados do Instituto de Informações Científicas (ISI, na sigla inglesa), nanotecnologia, nanociência e nanomateriais só foram incorporados aos textos acadêmicos a partir de 1987, um ano antes da morte do “profeta”.

Não sabemos se Feynman chegou a ler os três primeiros trabalhos com o prefixo ‘nano’ no título: um publicado em 1987, intitulado Nanotechnology , e dois publicados em 1988, intitulados A molecular-size tinkertoy construction set for nanotechnology – preparation of end-functionalized telomers and a polymer of [1.1.1]propellane e Nanotechnology – wherein molecular computers control tiny circulatory submarines . O fato é que desde então a quantidade de trabalhos científicos em torno do tema cresceu exponencialmente. O banco de dados do ISI registra, até o momento, quase 9 mil artigos contendo pelo menos uma das seguintes palavras-chaves: nanotecnologia, nanociência ou nanomaterial.

Mais do que o crescimento quantitativo, o que impressiona nessa área do conhecimento é a amplitude do espectro temático. Dá para encher esta página só com os títulos dos assuntos, que vão da física à engenharia, passando pela química, da biotecnologia à medicina, passando pela biologia molecular. Nos próximos meses, abordaremos alguns desses tópicos. Hoje vamos ver como a profecia deu lugar à realidade.

O microscópio de tunelamento, conhecido pela sigla inglesa STM, valeu aos seus inventores o Prêmio Nobel de Física de 1986. (Foto: Lieber Research Group)

O papel do microscópio de tunelamento
Um dos primeiros passos para a concretização do sonho de Feynman foi dado no início dos anos 1980, no laboratório da IBM em Zurique (Suíça). Ali, o físico alemão Gerd Binnig (1947-) e o físico suíço Heinrich Rohrer (1933-) inventaram o microscópio de tunelamento, um equipamento conceitualmente tão simples quanto tecnologicamente importante e que valeu aos seus inventores o Prêmio Nobel de Física de 1986. Na literatura científica, o equipamento é conhecido pela sigla inglesa STM ( Scanning Tunneling Microscope ).

A peça básica do STM é uma finíssima ponta metálica que varre a superfície a ser analisada, mas não a toca. Fica a uma distância muito pequena, inferior a um nanômetro (o nanômetro é a bilionésima parte do metro). O equipamento “vê” a estrutura da superfície por causa do efeito túnel (leia mais sobre essa propriedade na coluna de julho ), daí a origem do seu nome. Assim, voando baixo sobre a superfície, a agulha vai registrando as rugosidades em escala atômica.

Mais do que um equipamento com altíssima sensibilidade para observação de estruturas nanométricas, o STM serve para realizar aquele sonho de Feynman: “dispor os átomos um por um da forma que desejamos”. Pesquisadores de vários laboratórios já conseguiram arrastar átomos com a ponta sensora do STM. Por exemplo: uma equipe da IBM fez isso com átomos de ferro depositados em uma superfície de cobre. Uma vez depositados, os átomos foram arranjados, um a um, até formarem uma espécie de curral atômico. Embora ainda restrita ao espaço acadêmico, a técnica desperta grande interesse para a fabricação de dispositivos eletrônicos na escala atômica.

Usando um microscópio de tunelamento, pesquisadores da IBM conseguiram arranjar átomos de ferro (cones azuis) depositados sobre uma superfície de cobre (em vermelho), formando uma espécie de curral atômico. (Imagem: IBM)

 

Com o uso apropriado de técnicas espectroscópicas, também é possível “ouvir” a vibração atômica. Assim, o STM faz o papel dos nossos olhos, das nossas mãos e dos nossos ouvidos no mundo nanométrico.

 

Na próxima coluna, veremos como esse equipamento vem sendo usado para a realização de nanodissecação de material genético.

 

Para saber mais sobre nanotecnologia, principalmente a contribuição da comunidade científica brasileira, visite o sítio da revista eletrônica ComCiência

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Carlos Alberto dos Santos

Núcleo de Educação a Distância

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

28/09/2007