Um apanhado sobre as modificações anatômicas e comportamentais que nos fizeram a espécie que somos hoje é o mote deste novo livro do biogeógrafo norte-americano Jared Diamond.
O título do livro enaltece a pequena grandeza das diferenças, comparando genomas do ser humano, o chamado terceiro chimpanzé, com o chimpanzé comum da África tropical e o chimpanzé pigmeu do Zaire.
Por que não nos chamamos de Pan sapiens? Faz sentido promover uma dicotomia entre humanos e o resto da diversidade biológica? Ou isso é apenas arrogância e egocentrismo nosso?
O texto inicia com uma clara preocupação conservacionista, com um questionamento sobre o fato de que nossas leis (contra assassinato, por exemplo) se aplicam apenas ao Homo sapiens e não ao primeiro e ao segundo chimpanzés.
Qual o motivo do código de ética humano fazer uma distinção entre os humanos e as demais espécies biológicas? Será que a distinção é arbitrária e demonstra apenas nosso pensamento enviesado e antropocêntrico ou tem alguma característica biológica que explique tais distinções? Se tal distinção tem base biológica realmente, deveríamos ter um código de ética para cada espécie biológica diferente.
Assim, ao longo do texto, o autor estabelece uma análise comparativa entre as características ditas exclusivamente humanas e seus primórdios na diversidade biológica: elefantes pintores, chimpanzés e macacos verdes com rudimentos de vocalização contextualizada, entre outros.
Tais características humanas, ou quase exclusivamente humanas, marcam o que o autor chama de o ‘grande salto para frente’, ditando a ascensão do moderno Homo sapiens. Assim, buscando os rudimentos das características do grande salto na diversidade biológica, o autor busca desfazer a ruptura discreta e arbitrária que isola a humanidade do mundo biológico.
Em muitas passagens, o autor menciona a Papua-Nova Guiné, onde ele mesmo fez boa parte de sua pesquisa. O local, onde a língua mais importante é falada por apenas 3% da população, é um excelente exemplo da importância da linguagem e das formas alternativas de comunicação que brotam da necessidade cotidiana de troca de informações.
Em uma determinada passagem, o autor questiona a lenda do homem caçador, que abate leões africanos e mamutes americanos para sustentar a sua subsistência carnívora. Ele menciona como os caçadores da Papua esbravejam em conversas abertas os momentos gloriosos durante a caça, mas que, ao redor da fogueira, admitem que a caça provê uma pequena parte das suas refeições. A maioria das calorias vem de vegetais coletados pelas mulheres, e a pouca proteína consumida provém de pequenos animais como coelhos e rãs.
Outro ponto importante do livro é a comparação dos humanos com os neandertais. Essas duas espécies conviveram durante algumas dezenas de milhares de anos e o Homo neanderthalensis não sobreviveu a esse encontro. Detalhe: essa espécie era maior, mais musculosa e de cérebro maior.
O autor menciona ainda evidências que sugerem que os neandertais possuem um canal de parto maior. Isso poderia indicar que os bebês nasciam maiores e que a gravidez neandertal poderia levar um ano, em vez dos nove meses humanos, indicando um claro isolamento reprodutivo, uma vez que o bebê híbrido não poderia sobrevir. O que aconteceu com eles? Que características foram determinantes para a sobrevivência do sapiens e a extinção dos neandertais?
Esses últimos eram mais musculosos, o que significa mais comida para garantir a alimentação. Eles careciam de objetos artísticos. Podem ter usado roupas, mas elas devem ter sido de fabricação grosseira, sem sutura ou costura. As ferramentas eram feitas com matéria-prima local. Não tinham embarcações para comercializar seus produtos em longas distâncias.
Outro ponto interessante apontado pelo autor é o fato de que os neandertais exibiam poucas diferenças culturais marcadas pela geografia. Eles habitavam longos territórios que iam da península ibérica até a Rússia; entretanto, toda a cultura neandertal era muito semelhante.
Os neandertais tinham belas ferramentas feitas de maneira burra. A idade avançada na sociedade neandertal era 30 a 40 anos, o que significa que para espécies sem escrita, a passagem de conhecimento de uma geração para outra era pequena e ineficaz.
De leitura fluente, o livro é repleto de passagens interessantes que, juntas, montam um delicioso convite à reflexão.
Jared Diamond
Rio de Janeiro, Record, 448 p., R$ 59,90
Claudia Russo
Instituto de Biologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro