Uma organização britânica, a Charities Aid Foundation (CAF), desenvolveu um Índice de Generosidade Mundial (World Giving Index 2010) com base em pesquisa do Instituto Gallup em 153 países, que correspondem a 95% da população do planeta. A pesquisa – Gallup’s WorldView World Poll – ouviu indivíduos de 15 anos ou mais e incluiu um conjunto vasto de questões, entre as quais algumas destinadas a detectar comportamentos caritativos.
Na maioria dos países foram aplicados mil questionários, mas em alguns a amostra foi menor (500) e em outros, como China e Rússia, maior (2.000). A representatividade da pesquisa pode ser discutida, já que incidiu sobre áreas urbanas e fez entrevistas por telefone, ainda que corrigidas por contatos diretos em países interessantes para reflexão.
As perguntas que permitiram a elaboração do índice de generosidade visavam saber se os entrevistados tinham, nos últimos 30 dias: (i) doado dinheiro, (ii) doado seu tempo a organizações de voluntariado e (iii) ajudado estranhos. A CAF analisou as respostas e ainda as associou a duas referências: o Produto Interno Bruto (PIB) de cada país e um índice de bem-estar e felicidade individual.
Os dados do PIB, que indica a quantidade de riqueza de um país, foram tomados com base na ‘paridade do poder de compra’ (purchasing-power parity) por pessoa, índice que compara o padrão de vida entre diferentes países. Já a felicidade e o bem-estar foram ‘medidos’ pelo Gallup, na mesma pesquisa, perguntando-se aos indivíduos em que posição se colocariam em uma escala de zero (muito infeliz) a dez (muito feliz).
Os mais e os menos generosos
Os resultados, tendo o planeta como referência, revelam que 20% dos humanos doam tempo, 30% doam dinheiro e 40% ajudam estranhos. A distribuição, por certo, é desigual. Os campeões absolutos são Austrália e Nova Zelândia. De seus habitantes, respectivamente, 70% e 68% doam dinheiro, 38% e 41% doam tempo e 64% e 63% ajudam estranhos. Não surpreende tal desempenho, dada a forte tradição de filantropia naqueles países. Os Estados Unidos, com idêntica tradição, figuram no quinto lugar, já a sugerir que a posição ocupada pelos países não é mero efeito de sua riqueza (tamanho de seu PIB).
Pelo índice revelado, um estranho tem pouca chance de conseguir ajuda na China, a 147ª da lista: apenas 28% dos respondentes declararam ter feito o gesto no mês anterior à entrevista. O Brasil, em 76º lugar, fica abaixo da média mundial, no que diz respeito à doação de dinheiro (25% dos entrevistados) e tempo (macérrimos 15%). Ficamos um pouco acima da média no quesito ‘ajuda a estranhos’ (49%). Na América do Sul, cabe à Guiana o melhor resultado. Esse país figura em um honroso 16º lugar mundial, com um nível de ajuda a estranhos de invejáveis 67%.
Na comparação internacional, um achado parece ser interessante. Os índices de generosidade mostram-se mais associados aos indicadores de felicidade pessoal e bem-estar do que ao PIB. Para quem gosta de medidas estatísticas: a correlação generosidade/bem-estar é de 0,69, enquanto que a de generosidade/PIB é de 0,58. Em linguagem menos áspera, retirada das conclusões do relatório da CAF: “É mais provável que pessoas mais felizes tenham disposição para a dádiva maior que as mais ricas (…) aqueles que doam têm maior probabilidade de fazer crescer a felicidade dos outros, que, por sua vez, poderão aderir ao hábito da dádiva, e assim por diante”.
Tal conclusão confirma uma das premissas da Charities Aid Foundation: o nível de generosidade de um país indica algo a respeito da consistência cívica de sua sociedade. Em termos mais diretos, diz-nos do alcance da não-indiferença dos cidadãos com relação a necessidades de outros sujeitos humanos, aqui e alhures.
Tudo isso pode ser muito vago, mas coisas vagas dão o que pensar. As não vagas, ao contrário, impõem-se e nem sempre exigem reflexão ou elaboração inteligente. Sobre o tema da dádiva, há, por certo, muito ainda a falar. Basta, por ora, o registro de que ele se apresenta como alternativa intelectual e existencial poderosa aos não rendidos aos padrões utilitaristas da ciência política oficial.
Renato Lessa
Departamento de Ciência Política, Universidade Federal Fluminense
rlessa@cienciahoje.org.br
http://renatolessa-nonada.blogspot.com
Texto originalmente publicado na CH 275 (outubro/2010)