Naturalistas e geólogos que viajaram pela Amazônia, a partir da década de 1870, observaram manchas profundas de solo escuro, muito fértil, diferentes do solo pobre existente em quase toda a região. O solo amazônico comum é em geral arenoso ou argiloso, tem poucos nutrientes e exibe apenas uma fina camada superficial de húmus produzida pela floresta.
As manchas, ao contrário, são ricas em carbono, contendo, em média, 150 g desse elemento por quilo de solo, enquanto os outros solos da região têm de 20 a 30 g de carbono por quilo. Esses solos estão em geral associados a antigas ocupações indígenas, identificadas por fragmentos de cerâmica, ossos e outros vestígios – por isso, ganharam o nome de ‘terra preta de índio’.
Os solos escuros amazônicos vêm despertando, cada vez mais, o interesse dos cientistas, devido à sua fertilidade e à capacidade de reter carbono, evitando que seja liberado para a atmosfera. As importantes revistas científicas Nature e Science têm publicado, nos últimos anos, diversos artigos a respeito do assunto.
Além disso, vêm sendo criados grupos de pesquisa para estudar esses solos e encontros científicos são realizados para debater o tema. Em 2006, por exemplo, a reunião anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês) dedicou um simpósio – Amazonian Dark Earths: New Discoveries (Terras Pretas da Amazônia: Novas Descobertas) – a essa questão.
Alguns pesquisadores calculam que esses solos escuros ocupem 1% (63 mil km2) de toda a área de floresta na Amazônia, mas outras estimativas atingem até 10%. As terras pretas foram formadas pelos índios pré-colombianos, embora não esteja claro se foi um processo intencional de melhoria do solo ou um subproduto das atividades agrícolas e de habitação desses povos.
Essas terras caracterizam-se por altos teores de elementos químicos importantes para a nutrição das plantas (além do carbono, estão presentes cálcio, nitrogênio, fósforo, manganês e zinco) e por uma atividade biológica maior que a dos solos próximos.
O carbono está presente no solo na forma de carvão, gerado provavelmente por meio da queima de materiais orgânicos em condições especiais (com pouco oxigênio disponível). A grande concentração de carbono no solo melhora a absorção de água, facilita a penetração de raízes e torna as plantas mais resistentes.
O tipo de carvão encontrado na terra preta de índio garante a longa retenção do carbono no solo, ao contrário do que deveria acontecer na região amazônica, em que a temperatura e a umidade são elevadas. Nessas condições, a matéria orgânica tende a se degradar rapidamente, gerando gás carbônico (CO2), mas nas terras pretas esse processo pode demorar centenas ou milhares de anos.
Condicionamento dos solos
As qualidades das terras pretas de índios levaram pesquisadores, no Brasil e no exterior, a estudar a produção de um fertilizante orgânico condicionador de solo que imite suas características. O produto obtido a partir dessas pesquisas é chamado de biocarvão (biochar, em inglês).
O otimismo em torno do tema levou à criação de uma associação mundial, a Iniciativa Internacional Biochar (IBI, na sigla em inglês), que realiza congressos a cada dois anos. O último ocorreu no Rio de Janeiro, de 12 a 15 de setembro de 2010, com a presença de mais de 200 pesquisadores do tema, vindos de 30 países de todos os continentes.
O biocarvão é produzido pelo aquecimento de biomassa na ausência de oxigênio ou com baixos teores desse gás – processo conhecido como pirólise. Enquanto a combustão (ou seja, a queima na presença de ar) permite reter, nas cinzas, apenas 2% a 3% do carbono inicialmente contido na biomassa, a pirólise aumenta esse teor para mais de 50%.
Esse processo é utilizado, de forma rústica, nos fornos que produzem carvão vegetal no interior do Brasil: após uma etapa inicial de queima na presença de ar, para secar a madeira, os fornos são lacrados para a etapa da pirólise.
Na produção de biocarvão são utilizados resíduos orgânicos urbanos sólidos (restos de podas de árvores, lodo de esgoto), resíduos agrícolas (restos de culturas, bagaço e palha de cana-de-açúcar), resíduos industriais (da indústria de papel e celulose, por exemplo), ou materiais de origem animal (ossos, esterco).
Além do biocarvão, são gerados bioóleo e biogás, combustíveis substitutos do petróleo, em quantidades que dependem da condução do processo.
Antonio S. Mangrich
Departamento de Química, Universidade Federal do Paraná
Claudia M. B. F. Maia
Embrapa Floresta (Colombo, PR)
Etelvino H. Novotny
Embrapa Solos (Rio de Janeiro, RJ)