Trabalhar no horário noturno ou em turnos irregulares pode levar a uma série de problemas de saúde, como estresse, problemas gástricos e distúrbios cardiovasculares. Uma maneira de combater esse quadro é empregar a iluminação do ambiente de trabalho para adiantar ou atrasar o ritmo biológico do trabalhador.

O tema foi discutido no evento ‘Working time: effects and interventions’ (‘Hora do trabalho: efeito e intervenções’), realizado em fevereiro último na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

O evento, que trouxe dois pesquisadores estrangeiros da área, é resultado de um maior estímulo das agências de fomento para interações internacionais e do aumento no interesse de doenças relacionadas à organização do trabalho.

“O conceito engloba distúrbios que resultem de turnos de trabalhos irregulares ou em horário noturno, e ausência e duração de pausas durante a atividade. Tudo isso afeta nosso ritmo biológico e atrapalha o ciclo do sono”, diz a coordenadora do evento, a bióloga Cláudia Moreno, do Departamento de Saúde Ambiental da USP.

Segundo ela, esses problemas se tornaram mais comuns atualmente, quando boa parte da população vive no que é chamado ‘sociedade 24 horas’.

Problemas relacionados ao horário de trabalho se tornaram mais comuns atualmente, quando boa parte da população vive na chamada ‘sociedade 24 horas’

“A demanda por informação constante é grande e aumenta cada vez mais. Para supri-la, é necessário que os indivíduos trabalhem em horários fora do padrão de modo a poderem acompanhar o que ocorre no mundo”, esclarece a bióloga. Com o desenvolvimento do Brasil e o crescimento da economia, isso está se tornando um problema aqui também e daí o interesse pela área.

Cláudia Moreno ressalta que, normalmente, somos capazes de nos ajustar a mudanças no nosso relógio biológico, ou, como os pesquisadores o chamam, sistema de temporização circadiano.

“Desde que haja tempo, isso ocorre de forma natural ao longo de 20 a 30 dias. Quando as viagens eram mais lentas, não havia problema, mas hoje podemos ir daqui para o Japão em menos de um dia, invertendo completamente o nosso ritmo de dia e noite – ficamos acordados quando devíamos estar dormindo”, conta, se referindo ao jet lag, a falta de sincronia sentida por viajantes que atravessam muitos fusos horários.

Azul para não dormir

Durante o evento, uma das palestrantes, a pesquisadora sul-africana Debra Skene, da Universidade de Surrey, na Inglaterra, falou sobre uma das maneiras estudadas para combater os distúrbios de organização do trabalho – aumentar a exposição à luz. “Essa é uma técnica para minimizar ou prevenir os problemas, quando mudar o horário de trabalho não é possível”, esclarece Cláudia Moreno.

O objetivo de intensificar a exposição à luz é atrasar ou adiantar o ritmo biológico do trabalhador, fazendo com que ele durma mais tarde ou mais cedo. “Ao expor o trabalhador à luz intensa no final do dia, sinaliza-se ao organismo um dia mais longo – na verdade, o fotoperíodo seria mais longo –, provocando um atraso de fase no sistema de temporização circadiano. Já a exposição à luz antes do amanhecer sinalizaria uma noite mais curta e, portanto, levaria a um adiantamento de fase no sistema”, explica a bióloga.

Os primeiros testes foram realizados com luz branca, mas, com o progresso do estudo, os pesquisadores descobriram que o comprimento de onda na faixa azul é o mais eficiente para se obter o efeito desejado.

Luz azul
Pesquisadores desenvolvem estratégias de iluminação para ajustar ritmo biológico de trabalhadores em horário noturno ou irregular. Os testes mostraram que a luz azul é a mais eficiente para se obter o efeito desejado. (foto: David Gwynn/ Scx.hu)

A técnica tem sucesso porque o principal regulador do nosso sistema de temporização circadiana é a alternância luminosa que ocorre ao longo das 24 horas de um dia (ciclo claro e escuro, que varia de acordo com a latitude).

A luz é captada por uma proteína fotorreceptora chamada melanopsina e encontrada na retina. Ela envia as informações que colhe para a região conhecida como núcleos supraquiasmáticos, localizada no hipotálamo cerebral. Com esses dados, o cérebro regula as respostas fisiológicas apropriadas para cada parte do dia, como a liberação dos hormônios cortisol pela manhã e serotonina à noite.

“Há osciladores periféricos, como o fígado e o rim, que, provavelmente, atuam em conjunto com o sistema central”, observa Cláudia Moreno. 

Os cientistas estão analisando vários parâmetros para caracterizar o efeito e entendê-lo melhor

Apesar do sucesso inicial da técnica, ainda há muitas questões a serem resolvidas. Os cientistas estão analisando vários parâmetros — intensidade da luz, duração da exposição etc. – para caracterizar o efeito e entendê-lo melhor.

“Temos que desvendar o mecanismo para poder empregá-lo em larga escala com segurança. Por exemplo, se atrasássemos demais o ritmo de alguém, poderíamos prejudicá-lo, causando sonolência no dia seguinte quando ele deveria retornar ao trabalho”, conclui a bióloga.

Fred Furtado
Ciência Hoje/ RJ

Texto originalmente publicado na CH 281 (maio de 2011).

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