A importância das intervenções em saneamento básico é amplamente reconhecida pela sociedade. Esse reconhecimento tem relação com certa noção de que não ter acesso adequado à água, ter que viver em contato com esgotos ou precisar conviver com lixo a céu aberto são situações inaceitáveis para a dignidade humana.
A essa noção mais subjetiva – a de que alcançar nível civilizatório mínimo não é possível sem condições adequadas de saneamento –, somam-se abundantes evidências científicas dos efeitos positivos que essas ações trazem para aspectos da vida humana, como saúde e ambiente.
Estudos vêm mostrando que melhorar as condições de saneamento pode trazer vários benefícios para a saúde, a depender do tipo de intervenção no meio físico, da população atendida, do estado de saúde prevalente e das condições contextuais em que essas melhorias se dão.
Em termos gerais, estima-se que condições inadequadas tanto de abastecimento de água quanto de esgotamento sanitário causem, respectivamente, cerca de 500 mil e 280 mil mortes anuais por diarreia no mundo. Água, esgotos e higiene respondem por 58% de todas as doenças diarreicas no mundo, sobretudo em crianças com menos de cinco anos.
Já a coleta e disposição adequadas de resíduos sólidos previnem a proliferação de vetores de doenças (mosquitos, moscas, baratas, roedores etc.) e impede contato com patógenos (vírus, bactérias, protozoários etc.).
Outro elemento que compõe o saneamento básico é o manejo das águas pluviais, cuja gestão adequada elimina enchentes, inundações e empoçamentos de água, que podem trazer graves consequências para a saúde e preservação da vida.
Portanto, promover saneamento, além de proteger a vida humana, traz importantes benefícios ambientais, pois esgotos e resíduos sólidos são, em muitas regiões e muitos países em desenvolvimento, os mais importantes determinantes da poluição das águas e do solo.
Além disso, esses e outros problemas ambientais vêm sendo agravados pelos efeitos das mudanças climáticas, que têm não só causado secas e inundações mais frequentes, mas também impactado de forma crescente a disponibilidade das águas dos mananciais.
Infelizmente, as mudanças climáticas, muitas vezes, não são levadas em conta no planejamento das ações de saneamento, acarretando graves consequências para o abastecimento às populações. Por exemplo, a região metropolitana de São Paulo viveu isso há cinco anos e enfrentou grave crise no abastecimento de água.
O que deveria ser um fenômeno que afetaria apenas os recursos de água se transformou, pela falta de gestão adequada, em uma séria crise ambiental e humana, atingindo principalmente pessoas em situação de pobreza.
Saneamento é também elemento essencial para o desenvolvimento das cidades e do meio rural. Prover acesso a esse serviço às pessoas significa combater a pobreza – esta última entendida como conceito multidimensional, o que incluí até mesmo questões de gênero, como trataremos mais adiante.
Mas, acima de tudo, o acesso à água e aos serviços de esgotos são direitos humanos, reconhecidos – como essenciais para o usufruto de outros direitos humanos – pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2010. Tal reconhecimento – que contou com o claro apoio do governo brasileiro – tem implicações tanto legais quanto políticas (mais especificamente, para políticas públicas).
Portanto, do ponto de vista legal, a população de países onde esses direitos são aceitos passa a ser legalmente titular desses direitos. Nesses países, políticas públicas devem necessariamente ser orientadas pelo marco dos direitos humanos, o qual estabelece tanto padrões mínimos de qualidade no acesso a esses serviços quanto a observância a princípios, como o da igualdade e não discriminação, o direito à participação livre, ativa e significativa, bem como o direito à informação.
Pode-se afirmar, no entanto, que, apesar de todo esse reconhecimento e das evidências científicas quanto aos benefícios do saneamento, ainda se trata de uma das áreas mais negligenciadas nas políticas públicas em muitos países em desenvolvimento – inclusive, no Brasil.
No Brasil, em 2017, segundo dados do Plano Nacional de Saneamento Básico, o atendimento adequado por abastecimento de água alcançava apenas 60% da população. Para esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos, esses percentuais eram, respectivamente, cerca de 55% e 65%.
Mas, talvez, o mais preocupante seja a enorme desigualdade que marca esse atendimento. Pessoas não brancas, de menor escolaridade, de menor renda, em situação de pobreza, que vivem em áreas rurais, na periferia urbana e no Norte e Nordeste são os excluídos da atenção do Estado na implementação de políticas do setor. O mesmo vale para indígenas e quilombolas.
Para ficar em um só exemplo dessa desigualdade: quando comparamos o acesso ao esgotamento sanitário da população branca, urbana e em moradias chefiadas por pessoa com curso superior com aquele da população negra, rural e em moradias chefiadas por pessoa com o ensino primário incompleto, encontramos diferença de 76 pontos percentuais. Se 93% do primeiro grupo têm acesso adequado, esse valor cai para 17% no segundo.
Mundialmente, a situação é semelhante, tanto em termos do acesso quanto da desigualdade. Estima-se que 2,2 bilhões de pessoas (30% da população mundial) não tenham abastecimento de água seguro, e 4,1 bilhões (55% da população mundial), soluções seguras de esgotamento sanitário.
Em quase todos os países, o padrão desse atendimento favorece em muito o acesso da população urbana a esses serviços em comparação com a do meio rural – o mesmo vale quando se comparam níveis mais altos e mais baixos de renda.
Populações indígenas são sistematicamente discriminadas em relação às não indígenas. Mulheres e meninas recebem mais fortemente o impacto negativo da insuficiência de serviços – eis aqui questão de gênero importante, como comentamos anteriormente, embutida (e, portanto, praticamente invisível) no acesso ao saneamento público.
Essas são informações reveladas pelo monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas.
A pandemia da covid-19 veio desnudar essa realidade. A compreensão de que a higiene (sobretudo, das mãos) é uma das principais barreiras contra a expansão da epidemia já é senso comum em todo o mundo. Estudos científicos vêm demonstrando isso, e o chamamento à lavagem das mãos se transformou em mantra dos infectologistas, virologistas, epidemiologistas e gestores em saúde.
Trata-se de prática mais acessível e de menor custo se comparada a outros meios de higienização, como o uso de álcool. Embora lavar as mãos e praticar o isolamento social seja a combinação mais adequada para a contenção da epidemia, para o achatamento da curva de contágio e o alívio da pressão a nossos recursos hospitalares, não tem sido essa a recomendação enfaticamente recomendada por dirigentes brasileiros (inclusive, pelo Ministério da Saúde).
Para lavar as mãos, necessitamos apenas de dois ingredientes: água e sabão. Se sabão é um produto de ‘mercado’, água é um bem que requer a presença do Estado. Em raras situações, o ser humano consegue se abastecer de água com base em seus próprios recursos.
O que a pandemia desnuda é que justamente as pessoas que não têm seu direito humano realizado – no caso, acesso a quantidades adequadas de água, de forma contínua – serão as menos capazes de pôr em prática essa barreira.
Além disso, é justamente esse público que acumula vulnerabilidades para se proteger contra o vírus: vida em situações de aglomeração; menor capacidade de cumprir o isolamento social; privação econômica acarretada por políticas de enfrentamento da pandemia; e limitações para acesso ao sistema de saúde. Ou seja, a falta de acesso à água adiciona mais uma camada de vulnerabilidade, gerando importantes desigualdades no adoecimento e na morte por covid-19.
Já está descartado o lema de que a doença e o vírus seriam ‘democráticos’. Estudos no Brasil vêm revelando com clareza que a distribuição de doenças e mortes reproduz nossas desigualdades sociais. Pessoas em situação de rua ou moradores de vilas e favelas certamente não enfrentam os mesmos riscos de adoecer e morrer quando comparadas com os que vivem confortavelmente nos bairros mais abastados.
É evidente que a solução para esses problemas requer, sobretudo, políticas públicas de saneamento sólidas, contínuas, consistentes e democraticamente pactuadas. O contexto da pandemia deveria ter sido oportunidade para o governo federal ajustar as políticas vigentes e sintonizá-las mais fortemente com as necessidades das populações historicamente excluídas do acesso aos serviços.
Entretanto, a população brasileira assistiu, em pleno pico da pandemia, a movimento em direção exatamente contrária. O Congresso Nacional – apoiado por forças empresariais, por formadores de opinião neoliberais e ultraliberais e pelo governo – aprovou, por meio da Lei 14.026/2020, preocupante alteração – posteriormente, sancionada pelo governo Bolsonaro – no marco regulatório do setor, sancionado em 2007.
No processo de aprovação dessa lei, propagou-se, na mídia escrita e televisionada, verdadeira lavagem cerebral, de pensamento único, justificando irrestrita abertura do setor para a prestação privada dos serviços.
Como se fosse um silogismo do filósofo grego Aristóteles (385-322 a. C.), em um exercício de lógica dedutiva, os argumentos partiam de duas premissas para se chegar a pretensa conclusão indiscutível.
As premissas seriam: i) “existe um déficit insuperável na cobertura de saneamento no país”; ii) “o Estado brasileiro atravessa uma crise fiscal que impossibilita investimentos públicos no setor”. A conclusão: “a única solução é a abertura do setor para a atração de investimentos privados”.
Para as pessoas mais atentas, o silogismo se transforma em sofisma, pois todo o encadeamento do raciocínio é enviesado. Em primeiro lugar, reconhece-se que há déficit – o que é verdadeiro –, mas se oculta que este ocorra predominantemente em áreas e populações pouco atrativas para o capital privado e de baixa rentabilidade, a saber: zona rural, cidades de pequeno porte, periferia de grandes e médios centros.
Em segundo lugar, embora deva se reconhecer que vivamos uma crise fiscal – que se agrava como resultante da pandemia –, isso não deveria significar ‘nenhum investimento’ em políticas de cunho social, mas, sim, a priorização de investimentos – feitos com eficiência – naquelas mais relevantes.
Por fim, a expectativa de atração de investimentos privados é irrealista, sobretudo no montante estimado – segundo alardeado pelo governo, entre 600 e 700 bilhões de reais “nos próximos anos”.
A experiência internacional vem demonstrando que, quando o saneamento é prestado pela iniciativa privada, as empresas aportam poucos recursos próprios para a expansão e melhoria dos serviços. E, ao contrário do modelo desenhado pela nova legislação, a maior parte dos países do mundo que experimentaram privatização no saneamento está ‘desprivatizando’ os serviços.
Ou seja, o Brasil aponta para solução para o problema do saneamento que não encontra qualquer correspondência com as tendências contemporâneas internacionais. Para nós, que somos da ciência, é como se fizéssemos uma tese, ou um artigo, sem a prévia revisão de literatura, para conhecermos o estado da arte do problema em questão.
Em síntese, como se destaca neste artigo, saneamento básico é um serviço essencial para a vida, saúde e proteção do ambiente. Sua ausência deixa desprotegida, sobretudo, a população mais despossuída da sociedade, que já convive com outras dimensões de vulnerabilidade. A essa parcela da população é negado o usufruto de um direito humano essencial, requisito para uma vida digna.
A pandemia da covid-19 veio desnudar esse quadro, convocando a sociedade para uma tomada de posição no sentido de eliminar os inaceitáveis déficits que assolam grande parte da população.
Infelizmente, o atual governo adota receituário que caminha em direção exatamente contrária à necessária, desvirtuando a política pública do setor. O desfecho dessas últimas decisões pode ser desastroso e levar o país a cenário ainda mais negativo do que aquele que prevalece hoje.
É necessário que tanto a comunidade acadêmica quanto a sociedade em geral tomem posição, reafirmando a essencialidade dos serviços de saneamento e exigindo que o poder público do país o coloque como prioritário em uma agenda de desenvolvimento.
Afinal, priorizar saneamento, além de trazer benefícios econômicos e bem-estar para a população, significa fazer valer o princípio dos direitos humanos.
Léo Heller
Fiocruz Minas
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