A queda de uma chuva de meteoritos sobre a cidade de Santa Filomena, em Pernambuco, despertou uma discussão sobre como devemos atuar para que esses verdadeiros ‘fósseis’ do universo possam ser estudados e preservados para as futuras gerações.

Pequeno pedaço de meteorito (com 37,7 gramas) que caiu em Santa Filomena, Pernambuco
Crédito: Alexander Kellner

O dia 19 de agosto de 2020 ficará para sempre na memória dos habitantes de Santa Filomena, situada no sertão pernambucano, na divisa com o Piauí. Muitos dos 15 mil habitantes da cidade ouviram um estrondo e viram um brilho rasgando o céu. E o mais impressionante: ‘pedras’ começaram a cair, chegando a atingir algumas casas! Era uma verdadeira chuva de meteoritos, que literalmente fez com que Santa Filomena passasse a figurar no noticiário brasileiro.

No entanto, esses meteoritos também levantaram uma polêmica, depois que, em questão de dias, a cidade foi invadida – não por marcianos, mas por pesquisadores e comerciantes. Era algo sem precedentes naquela região. Não precisamos de muita imaginação para saber o resultado: muitos meteoritos foram achados pela população local e poucos chegaram às mãos dos pesquisadores, frustrando a ciência. Será que algo deve ser feito para garantir que essas raridades possam ser incorporadas às instituições científicas onde serão estudadas e guardadas para a posteridade?

 

Raros fósseis do universo

Poucas ações são mais instigantes do que olhar para o céu. Observar a lua e milhões de estrelas nos leva a refletir sobre o que somos e de onde viemos. E desperta uma das principais perguntas que atiçam a nossa curiosidade: o que mais existe no espaço, além do nosso planeta? O pouco que sabemos vem dos telescópios e das sondas espaciais, que fotografam e obtêm dados que resultam em imagens coloridas artificialmente, algumas parecendo obras de arte.

Mas existem objetos celestes que podem ser vistos bem de perto, aqui da Terra. São os meteoritos, considerados por muitos verdadeiros ‘fósseis’ do universo, que sobraram de eventos ocorridos há bilhões de anos, quando o Sistema Solar e o nosso planeta se formaram.

Pode parecer estranho, mas todo dia a Terra é atingida por dezenas de meteoros, que são popularmente conhecidos como estrelas cadentes. A maioria se desintegra no contato com a atmosfera – o que produz uma luz muito intensa. Somente poucos chegam a cair no solo, quando recebem a denominação de meteoritos.

Não é fácil encontrar uma dessas pedras que caem do céu! A maior parte acaba caindo no mar, que ocupa aproximadamente 71% da superfície do planeta. Outras tantas caem em áreas inóspitas, como a Antártica. Ocorrências como a de Santa Filomena, onde os meteoritos caíram em grande quantidade em uma área urbana, não são muito comuns.

Soma-se a isso o problema de reconhecer essas ‘pedras do céu’… Não é tarefa fácil, acredite! Eu mesmo, que sou geólogo e tenho algum conhecimento, trouxe muitas para minha colega do Museu Nacional Elizabeth Zucolotto, a maior responsável pela divulgação da pesquisa de meteoritos no país, que não tinham nada de especial – para decepção minha e dela…

 

Terra sem lei?

Não existe nenhuma lei que regulamente a propriedade de meteoritos. Um meteorito pertence a quem o encontrar. Em tese, essa pessoa se torna dona do objeto e pode expô-lo em sua sala de visitas ou vendê-lo para aquele que oferecer mais. Não preciso nem dizer como foi difícil para que pesquisadores conseguissem alguns desses meteoritos de Santa Filomena. A maior parte acabou sendo vendida a comerciantes, e sobrou pouco material para pesquisa no Brasil.

Para analisar a conveniência de uma lei que regulamente a questão, uma comissão acaba de ser criada pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes. O problema é o seguinte: se a lei for muito restritiva, confiscando todo e qualquer meteorito como propriedade do Estado, serão poucos os moradores desses locais ‘abençoados’ pelas quedas de meteoritos dispostos a entregar o material que porventura encontrem. Se a questão ficar totalmente sem regulamentação, como é hoje, a ciência corre o risco de não ter acesso a exemplares que tanto podem nos ensinar sobre o universo. Ou, então, pesquisadores e museus de países ricos, com moeda forte e apoio da sociedade, simplesmente compram tudo e a comunidade científica do país onde os meteoritos são encontrados fica ‘a ver navios’.

Portanto, da próxima vez que eu vir uma estrela cadente iluminando o céu, já sei qual será o meu pedido: que tenhamos bom senso e, quando um desses objetos cair na Terra, consigamos dar aos cientistas a oportunidades de estudá-los, para que nos tragam mais informações sobre o universo, onde nada mais somos do que poeira de estrelas, como dizia o famoso astrônomo Carl Sagan.

Alexander W. A. Kellner

Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Academia Brasileira de Ciências

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