Obesidade e depressão afetam uma parcela cada vez maior da população mundial. Seus impactos são imensos não só na vida das pessoas afetadas como também na saúde pública. Mas o fato de estarem em alta na sociedade contemporânea não é o único ponto de ligação entre esses males. Ambas as doenças apresentam uma série de alterações metabólicas e biológicas em comum. Além disso, indivíduos obesos têm mais chances de serem depressivos, assim como os que sofrem com depressão frequentemente ganham peso.
O senso comum até poderia concluir que pessoas depressivas engordam porque comem para driblar a tristeza ou que os obesos ficam depressivos porque não estão satisfeitos com seus corpos. Mas as explicações para as conexões entre os dois problemas não são tão simples assim.
Embora pareça difícil imaginar, o tecido adiposo e o cérebro podem dialogar. Sim, essa comunicação existe, e é bastante complexa: envolve a secreção de hormônios pelo tecido adiposo, a ativação do sistema imunológico e, até mesmo, alterações na composição bacteriana intestinal.
Todos estes mecanismos parecem convergir para um estado de inflamação crônica de baixo grau, caracterizado pela produção de moléculas que iniciam a resposta inflamatória, as chamadas citocinas, que são liberadas na circulação sanguínea tanto pelas células do tecido adiposo quanto pelas células imunológicas.
É essa inflamação crônica – menos intensa do que aquela induzida por doenças infecciosas ou patógenos – que ‘conversa’ com o cérebro. Ela causa um impacto nas áreas cerebrais que controlam o humor, a motivação, a saciedade e as respostas prazerosas.
Assim, a reação do cérebro às alterações do organismo parece potencializar hábitos e comportamentos que geram um padrão cíclico de recorrência entre obesidade e depressão.
A inflamação periférica é uma resposta normal do nosso sistema de defesa, que produz moléculas inflamatórias para combater e minimizar o efeito de agentes patogênicos ou capazes de causar dano celular. Contudo, a produção em excesso dessas moléculas inflamatórias está associada tanto a doenças metabólicas, como a obesidade, quanto a transtornos psiquiátricos, como a depressão.
• Infiltração de células imunológicas
• Secreção de hormônios e citocinas inflamatórias
O acúmulo de tecido adiposo gera uma resposta inflamatória local que inclui infiltração de células imunológicas, secreção de citocinas inflamatórias por células imunológicas e células de gordura.
• Alteração da microbiota
• Aumento da permeabilidade intestinal
• Translocação de produtos bacterianos
A obesidade e a depressão estão associadas a alterações da composição bacteriana intestinal, aumentando a permeabilidade intestinal e a propagação de produtos microbianos como o LPS (lipopolissacarídeo), capazes de induzir a ativação de células imunológicas e a inflamação. Além disso, os ácidos graxos formados pelo metabolismo bacteriano também podem ser encaminhados para formação de lipídeos no fígado, potencializando o acúmulo de gordura
• Redução nos níveis de serotonina
• Aumento de glutamato na fenda sináptica; produção de hormônios ligados ao estresse
• Redução da sobrevivência e geração de novos neurônios
Todos estes processos podem induzir a inflamação crônica de baixo grau, frequentemente observada tanto em pacientes obesos quanto em pacientes com depressão
• Fadiga e inatividade
• Redução na saciedade
• Redução na motivação e no prazer
• Sintomas de depressão e ansiedade
As moléculas inflamatórias, como as citocinas, podem atingir o cérebro causando neuroinflamação, a qual está associada a mudanças em regiões cerebrais envolvidas na regulação de diferentes aspectos comportamentais, incluindo consumo de alimentos e saciedade; mecanismos de prazer e recompensa; níveis de energia, regulação do sono e humor. As disfunções nesses comportamentos potencializam ainda mais a inatividade e o aumento de peso.
Na obesidade, a inflamação parece ser induzida pelo excesso de calorias e consumo abundante de nutrientes. Altos níveis de glicose e lipídios podem iniciar um processo chamado lipotoxicidade, caracterizado por inflamação crônica de baixo grau que tem efeitos nocivos em múltiplos órgãos.
Desde o início da década de 1960, níveis elevados de citocinas inflamatórias têm sido encontrados no sangue de indivíduos obesos. Nessa inflamação associada à obesidade ocorre uma infiltração de células imunológicas sanguíneas no tecido adiposo, levando os adipócitos (células adiposas) a produzircitocinas inflamatórias e adipocinas, hormônios capazes de induzir ou potencializar a resposta inflamatória.
A relação da depressão com a inflamação começou a ser estudada no início da década de 1990, quando se observou que um aumento na secreção de citocinas inflamatórias, produzidas pelas células imunológicas circulantes no sangue poderia levar ao surgimento dos sintomas depressivos.
De fato, quando nosso organismo está combatendo uma infecção – e o sistema imunológico é ativado –, são comuns as sensações de cansaço, letargia e falta de motivação, que também afetam pessoas com depressão.
Essa hipótese também é reforçada por várias evidências, como, por exemplo, os pacientes com doenças inflamatórias crônicas (artrite reumatóide, lúpus, entre outras) apresentarem altos índices de depressão.
Além disso, as citocinas inflamatórias são frequentemente encontradas no sangue de pacientes com depressão, uma alteração bioquímica que é, constantemente, normalizada depois do tratamento com antidepressivos.
Apesar desses resultados promissores, do ponto de vista científico, ainda é difícil avaliar o impacto da inflamação periférica no cérebro de pacientes. Por essa razão, são desenvolvidos estudos com roedores, que têm auxiliado na compreensão destes mecanismos.
Alguns resultados de testes com ratos e camundongos demonstram que o estresse crônico, um dos principais fatores desencadeadores da depressão em humanos, é capaz de induzir não apenas o aumento nas concentrações das citocinas inflamatórias no sangue, mas também possibilita a passagem dessas moléculas para o cérebro, desencadeando um processo inflamatório cerebral. Esta neuroinflamação compromete diversas funções cerebrais, prejudicando a comunicação entre neurônios e causando várias alterações comportamentais relacionadas à ansiedade/depressão e déficits cognitivos.
Em uma análise de diversos estudos de base populacional, verificou-se que em 80% dos casos a obesidade é um fator envolvido no surgimento de sintomas depressivos. Por outro lado, 53% dos estudos demonstraram que a depressão também está associada ao ganho de peso e à obesidade.
Além disso, a presença de obesidade e depressão em uma mesma pessoa está associada a piores sintomas, menor resposta ao tratamento e maiores custos. Essa relação bidirecional entre as duas doenças indica que apresentam mecanismos biológicos comuns.
As causas da obesidade são complexas e envolvem uma combinação de fatores genéticos e ambientais, incluindo dietas altamente energéticas, estilo de vida sedentário e estresse.
Ao longo das últimas três décadas, o número de adultos com sobrepeso e obesidade aumentou substancialmente, indo de cerca de 10% em 1990, 20% ou mais nos anos 2000, para cerca de 25% em 2010. De acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde, (OMS) em 2016 mais de 1,9 bilhão de adultos maiores de 18 anos tinham excesso de peso, destes, 650 milhões eram obesos. Hoje, acredita-se que cerca de 65% da população mundial vive em países onde a obesidade mata mais pessoas do que a subnutrição. No Brasil, a frequência de adultos obesos é de 18,9%, e esta condição é muito dispendiosa, não somente do ponto de vista econômico, mas também em termos de saúde individual, com destaque para incapacidade física, redução da longevidade e do bem-estar psicológico.
Pode ser surpreendente, mas o intestino também está relacionado a essas doenças. Obesidade e depressão, recentemente, têm sido associadas a um aumento da permeabilidade do epitélio intestinal (o tecido que reveste o intestino delgado) e também a mudanças na composição das populações de bactérias que vivem em nosso intestino, a microbiota intestinal.
A microbiota é composta tanto de bactérias que auxiliam na digestão dos alimentos, produção e absorção de vitaminas, quanto de bactérias prejudiciais ao organismo, associadas à putrefação, formação de gases e ativação do sistema imunológico.
Mas como a depressão e a obesidade podem se relacionar a esses microorganismos?
Quando ambas doenças ocorrem, há uma redução na diversidade e na abundância das bactérias benéficas, aumentando a população das nocivas na microbiota. Associado a isso, o aumento na permeabilidade do epitélio intestinal permite o deslocamento de produtos bacterianos nocivos do intestino para o sangue, induzindo a produção de citocinas inflamatórias e inflamação periférica – aquelas mesmas citadas no início deste artigo.
A microbiota intestinal pode afetar o aproveitamento das calorias obtidas da dieta, o ganho de peso, o estado inflamatório periférico e o comportamento, desempenhando papel essencial nos mecanismos que ligam a obesidade e a depressão, apontam estudos.
Em um deles, a microbiota intestinal de pacientes obesos foi transferida para roedores, e a consequência foi um ganho de peso significativo nos animais.
Por sua vez, outros autores demonstraram que é possível reproduzir o comportamento depressivo em roedores por meio do transplante de microbiota fecal de pacientes com depressão, sugerindo que as alterações na microbiota intestinal também têm um impacto sobre a modulação do humor.
Após a instalação da inflamação crônica de baixo grau, seja por obesidade ou depressão, ou por ambas, diferentes respostas comportamentais podem ser iniciadas. Diversos mecanismos biológicos estão associados ao efeito das citocinas inflamatórias no cérebro. Trabalhos experimentais já demonstraram que essas moléculas reduzem os níveis do neurotransmissor serotonina, intimamente relacionado à regulação do humor e aumentam os níveis cerebrais de glutamato, um neurotransmissor excitatório importante para diversas funções encefálicas, como aprendizado/memória, mas que pode ser tóxico para os neurônios.
As citocinas inflamatórias podem também aumentar a secreção dos hormônios relacionados ao estresse, reduzindo a capacidade dos neurônios de se adaptar a estímulos aversivos (aqueles que causam desprazer) e comprometendo os mecanismos responsáveis pela formação de novos neurônios, principalmente no hipocampo, uma região essencial para aprendizado e memória e para a regulação do humor.
O sistema imunológico é essencial para a nossa sobrevivência. Mas sua ativação exacerbada, de forma crônica e desregulada, pode trazer consequências adversas à nossa saúde. Nessas situações, a resposta inflamatória resultante pode contribuir para o desenvolvimento de alterações comportamentais como fadiga e redução da atividade, disfunção na regulação do humor, da motivação, da ansiedade e dos centros de prazer e recompensa.
Apesar de também ocorrerem de forma independente, obesidade e depressão estão associadas a sintomas mais graves e têm pior resposta ao tratamento quando afetam um paciente simultaneamente. Por isso, a melhor compreensão dos mecanismos biológicos comuns às duas doenças é essencial para desenvolver fármacos e estratégias não farmacológicas capazes de interromper o ciclo de recorrência desses males que levam tanto sofrimento aos pacientes.
A depressão é um dos transtornos psiquiátricos mais frequentes, caracterizada por alterações no humor, sentimentos de tristeza, culpa, perda na capacidade de sentir prazer e vários outros sintomas, incluindo alterações no apetite, energia, peso e sono.
Em um estudo que avaliou 188 países entre os anos de 1990 e 2013, a depressão foi considerada uma das principais causas de incapacidade, caracterizada pela redução na qualidade de vida, menor produtividade, comprometimento na comunicação e interação social e prejuízo nas atividades cotidianas. Estima-se que esses números vão crescer muito nos próximos anos, de forma que até 2020, a depressão afetará grande parte da população, tornando-se o principal fator associado aos anos vividos com incapacidade física.
Apesar de não se saber exatamente quais as causas da depressão, fatores ambientais como exposição ao estresse e adversidades, e a presença de doenças metabólicas e crônicas, como a obesidade, parecem estar intimamente associados aos sintomas depressivos.
Ana Lúcia S. Rodrigues
Departamento de Bioquímica
Programa de Pós-graduação em Bioquímica e em Neurociências
Centro de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Santa Catarina
e-mail: ana.l.rodrigues@ufsc.br
Manuella P. Kaster
Departamento de Bioquímica
Programa de Pós-graduação em Bioquímica
Centro de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Santa Catarina
e-mail: manuella.kaster@ufsc.br
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