A pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) têm causado fortes impactos sociais e econômicos por todo o planeta. No Brasil, os dados sobre a doença, até julho, seguiam alarmantes – para dizer o mínimo. Atrás dos Estados Unidos, somos o segundo país no mundo com o maior número de infectados e mortos pela covid-19, e temos grandes chances de ocupar a lamentável primeira colocação, caso as políticas para conter a transmissão da doença não avancem. No momento em que escrevo este texto, mais de 60 mil brasileiros perderam suas vidas e os casos confirmados já ultrapassam um milhão e quatrocentos mil. Além dos números muito elevados de contaminados e mortos, a curva de contágio continua ascendente em todo o país.
A covid-19, no início, era uma “doença importada” que acometia basicamente pessoas de classe média e média alta, residentes em áreas nobres dos grandes centros urbanos, que haviam viajado para países em que o vírus já circulava, sobretudo China e Europa. Devido a esse perfil social e econômico, a maior parte dos infectados era branca. Semanas depois as transmissões passaram a ser qualificadas como sustentáveis, ou seja, sem controle de quem estaria passando a doença para os demais. Bairros populares, periferias, favelas das grandes cidades e territórios de populações tradicionais, logo, foram atingidos pelo novo coronavírus. E já que no caso brasileiro não há como dissociar, em termos sociológicos, condições sociais do pertencimento étnico e racial, muitas das pessoas infectadas são negras (pretas e pardas de acordo com o IBGE) e de baixa renda.
Os efeitos e os impactos sociais causados pela pandemia do covid-19 não são os mesmos para todas as populações ou grupos. E a explicação disso é relativamente simples: quanto piores as condições materiais de vida de certos grupos, pior o impacto da doença em suas chances de recuperação e sobrevivência. O sociólogo argentino Carlos Hasenbalg (1942-2014) cunhou a expressão “ciclo cumulativo de desvantagens”, em meados dos anos 1980, a fim de explicar as dinâmicas sociorraciais experienciadas pelas famílias negras. Desvantagens e prejuízos sociais e econômicos causados pelo racismo estrutural e pela pobreza marcam negativamente os processos de ascensão e mobilidade social de pessoas negras. Neste sentido, uma pessoa negra jovem, cujos pais tiveram precária escolarização, tende a deixar como “herança” poucas expectativas de aumento de escolaridade para os seus filhos, e assim sucessivamente.
Por essa razão, a covid-19, além de ser potencialmente mortal, impõe obstáculos extras em termos de geração de renda e empregabilidade já existentes em determinados segmentos sociais da população. Este cenário não é uma singularidade nacional. Nos Estados Unidos, a covid-19 tem sido muito mais letal entre os afro-americanos e latinos — proporcionalmente mais expostos aos efeitos do empobrecimento capitalista — do que entre brancos. Em Louisiana, estado localizado no Golfo do México, os afro-americanos constituem cerca de 33% da população, no entanto, são 70% dos mortos em decorrência da covid-19. Em Chicago, no estado de Illinois, em outro extremo do país, o cenário não é diferente: afro-americanos compõem 30% da população, porém o número de óbitos chega a 68%. As disparidades raciais são tão explícitas que até mesmo o presidente Donald Trump, considerado conservador e racista por muitos ativistas negros nos EUA, reconheceu que a covid-19 tem sido particularmente mais letal entre os afro-americanos.
A maior exposição dos negros nos EUA aos impactos da covid-19 tem a ver com a disparidade racial produzida pelo racismo estrutural naquele país. Em uma nação em que o sistema de saúde é altamente seletivo e caro, os mais pobres sabem que ficar doente pode significar uma sentença de morte. Neste contexto da pandemia, a imprensa tem retratado situações de pacientes curados pela covid-19 e com dívidas médicas estratosféricas. Além disso, a pobreza associada ao racismo faz com que parte significativa dessa população se alimente muito mal. Não é à toa que redes de fast food de todo tipo estejam espalhadas pelos bairros negros e latinos, potencializando a chamada epidemia da obesidade.
Diferenças nacionais à parte, é possível perceber algumas semelhanças importantes com o contexto brasileiro. Negros (pretos e pardos) são os mais afetados e vulnerabilizados pela pobreza em todo o país, de acordo com os indicadores recentes. Diferentemente dos EUA, aqui temos o Sistema Único de Saúde (SUS) que prevê atendimento universal para variados tipos de tratamento de saúde.
A pandemia da covid-19 tem evidenciado o que especialistas na área chamam a atenção há muitas décadas: o SUS tem sido sistematicamente desmantelado para atender aos interesses financeiros de empresas ligadas à saúde do setor privado. Como uma das principais conquistas da Constituição de 1988, o SUS é encarado pelos governos neoliberais como dispendioso e ineficaz, quando, na verdade, é a única alternativa de atendimento e tratamento de saúde para a imensa maioria das pessoas que não podem arcar com os custos (no geral, altos) dos planos de saúde. Cerca de 67% da população negra dependem dos serviços prestados pelo SUS.
Somente a partir do dia 10 de abril de 2020 dados relativos à pandemia com recorte por cor/raça foram publicados pelo Ministério da Saúde. Não fosse a insistência da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e da Coalização Negra por Direitos, sediada em São Paulo, não teríamos nenhum tipo de informação minimamente confiável que registrasse o número de contaminados e mortos com base na cor/raça dos indivíduos. Apesar do número expressivo de subnotificações frente aos dados oficiais, pretos e pardos constituem o grupo mais atingido pela covid-19 devido à associação perversa entre desigualdade racial e condições socioeconômicas de vida.
De acordo com o Boletim Epidemiológico nº 17, do Ministério da Saúde, 49.6% dos óbitos foram registrados entre pardos; 7.4% entre pretos; 41% entre brancos, 0.5% entre indígenas e 1.6% entre amarelos. Portanto, se somarmos os dados pardos e pretos de acordo com as informações acima, o total chega a 57% dos casos. Ou seja, negros e negras são os mais atingidos e prejudicados pela pandemia até este momento.
Outro fator a considerar é a interiorização e a capilaridade da covid-19. No início, a doença se concentrava em cidades grandes e médias, espalhando-se rapidamente por regiões mais periféricas e de forte concentração de população negra. No geral, o sistema de saúde destas cidades não suporta demandas tão altas em tão pouco tempo. O problema ganha outra magnitude em cidades pequenas, com menos de 100 mil habitantes. Os postos de saúde ou hospitais (quando existem) não dispõem dos respiradores e medicamentos necessários para tratar os efeitos da doença. E nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste temos uma grande concentração de populações não-brancas, de baixíssima renda, que depende exclusivamente do SUS para tratamento de saúde. É a outra faceta do racismo estrutural traduzido na quase total falta de assistência às populações mais vulneráveis.
No momento em que escrevo este texto, no início de julho, o Brasil, segundo colocado em número de infectados e mortos pelo novo coronavírus, está há quase dois meses sem ministro da saúde, situação que tem chamado a atenção de boa parte da imprensa internacional. A gestão interina do Ministério da Saúde chegou a omitir dados oficiais de contaminados e mortos, possivelmente para forçar o país a uma volta precoce às atividades econômicas.
É fato que todo problema de saúde pública é de natureza política. Por isso é que políticas públicas de saúde são essenciais para o bem-estar de um país do mesmo modo que para o seu desenvolvimento. Desta vez um dos diferenciais é que a ideologia política que rege o atual governo consegue piorar ainda mais uma situação que tem sido altamente complexa e disruptiva. Já não podemos mais falar da covid-19 de forma impessoal, como algo distante de nossas vidas. Parentes, vizinhos e amigos nossos estão adoecendo, e tudo isso provoca um misto de medo, ansiedade e preocupação com o futuro. Ligar a TV e ser informado de que o governo federal não está fazendo o suficiente para frear o número crescente de mortes e contaminados gera ainda mais angústia e temor.
A pandemia expõe, escancara e agudiza velhas lógicas de opressão presentes na sociedade brasileira e que podemos resumir em um conceito: necropolítica. Nada é por acaso: as contradições do governo federal no comando do Ministério da Saúde, a resistência na aprovação da ajuda emergencial de R$ 600 aos mais necessitados, os embates do presidente da República com governadores e prefeitos quanto às melhores estratégias de enfretamento à covid-19 e a recusa em entender qual o papel do Estado como agente vital na resolução de todos esses problemas são alguns elementos presentes no descompasso em que nos encontramos. Enquanto isso as populações negras, indígenas, quilombolas e periféricas continuam expostas.
Marcio André dos Santos
Instituto de Humanidades e Letras
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab) – Campus dos Malês
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