Estudos feitos na margem continental brasileira revelam indícios de que a região acumula importantes depósitos de uma promissora fonte de combustível fóssil: os hidratos de gás. As bacias sedimentares de Pelotas, no sul do país, e da foz do rio Amazonas, ao norte, são as áreas consideradas mais promissoras em depósitos do combustível.
O Centro de Excelência em Pesquisa sobre Armazenamento de Carbono (Cepac) – que nasceu de uma parceria entre a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Petrobras – dedica-se à pesquisa dessas reservas.
Com área de 210 mil km2, a bacia de Pelotas compreende o trecho da margem continental sul-brasileira localizada entre a porção conhecida como Alto de Florianópolis (na parte setentrional da bacia) e a fronteira com o Uruguai.
A da foz do Amazonas é a mais extensa das bacias da margem equatorial brasileira. Seus limites coincidem com o platô de Demerara, a noroeste, e com a ilha de Santana (bacia do Pará-Maranhão), a sudeste, totalizando 360 mil km2.
Os pesquisadores do Cepac querem comprovar a presença de depósitos de hidratos de gás no país, estimar o volume total dos acúmulos, compreender os fatores que propiciaram sua formação e avaliar as reais possibilidades de explorá-los.
“Estamos diante de um grande desafio científico e tecnológico”, afirma o geólogo João Marcelo Ketzer, coordenador do Cepac. Na sua opinião, “há grandes enigmas a serem decifrados”.
Alternativa a ser explorada
Praticamente desconhecidos da maioria das pessoas, os hidratos de gás são, diante da crescente demanda por carvão, petróleo e gás natural, uma potencial fonte alternativa de energia. Em comparação com esses combustíveis, têm a vantagem de produzir mais energia gerando menos dióxido de carbono (CO2).
Segundo o Instituto Norte-americano de Pesquisa em Geologia (USGS, na sigla em inglês), o volume mundial de hidratos de gás é maior que a soma das reservas dos demais combustíveis fósseis conhecidos, representando metade do carbono orgânico do planeta.
Estudo recente dos cientistas norte-americanos David Archer e Bruce Buffett, das universidades de Chicago e da Califórnia (Berkeley), respectivamente, mostra que o planeta acumula 3 trilhões de toneladas de hidratos de gás, enquanto carvão, petróleo e gás natural somam cerca de 930 bilhões de toneladas. Esses resultados foram publicados em 2007 no relatório Energy Outlook (Panorama energético).
Esses compostos são formados por moléculas de gás – principalmente metano – encapsuladas em uma estrutura de água congelada, que pode ser comparada a uma ‘gaiola’. Por isso são conhecidos como ‘gelo combustível’. As reservas, amplamente distribuídas pelo globo, depositam-se sob os oceanos, em profundidades superiores a 500 m, e em solos congelados, principalmente nas regiões polares.
Segundo Ketzer, a formação e estabilidade do composto dependem sobretudo de três variáveis: concentração, temperatura e pressão do gás. Mas ainda se sabe muito pouco sobre ele.
Desafios pela frente
O principal programa de pesquisa sobre os hidratos de gás surgiu no Japão, em 1999, devido à preocupação do país com segurança energética. Em 2012, pesquisadores japoneses darão início a projeto pioneiro de exploração do composto em ambiente marinho.
Além de Japão e Brasil, Estados Unidos, Canadá, Rússia e China estão entre as nações que investem em pesquisa sobre esses compostos, principalmente com parceiros internacionais.
Segundo Ketzer, o desconhecimento científico desses compostos não é casual. “Por se encontrarem em estado sólido e se localizarem em águas profundas ou sob terrenos congelados, são um desafio para a indústria do petróleo”, justifica.
Os críticos dessa virtual ‘panaceia’ energética temem que o processo responsável por separar o hidrato (parte da água congelada do composto) do gás resulte na liberação de grande quantidade de metano na atmosfera, o que torna o combustível suspeito de intensificar o aquecimento global.
Essa separação é, portanto, um dos grandes desafios que sua extração deverá enfrentar. “Para viabilizá-la em escala comercial, é preciso desenvolver tecnologias que evitem a entrada de mais carbono na atmosfera terrestre”, diz o geólogo da PUC-RS.
Luan Galani
Especial para Ciência Hoje /PR
Texto originalmente publicado na CH 278 (janeiro e fevereiro/2011)