Cientistas brasileiros demonstram experimentalmente que vibrações do interior da matéria podem ter propriedade só atribuída até agora a partículas subatômicas.
Um dos conceitos inusitados introduzidos pela física quântica é a dualidade onda-partícula, que consiste na capacidade de os entes físicos na escala atômica se comportarem ou terem propriedades tanto de partículas quanto de ondas.
O primeiro passo para o estabelecimento desse conceito foi dado pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955) em 1905. Ele propôs que uma onda eletromagnética era quantizada, ou seja, composta por ‘pacotes’ de fótons (partículas de luz), cada um com energia E=hf, onde f representa a frequência da onda,e h, a constante de Planck– referência ao físico alemão Max Planck (1858-1947). Em 1900, Planck propôs que, na natureza, a energia é gerada e absorvida em ‘pacotes’ (quanta), dando origem à chamada física quântica.
Em 1924, o físico francês Louis de Broglie (1892-1987) conjecturou que, se uma onda pode ter comportamento de partícula, esta última (no caso, o elétron) poderia se comportar como uma onda.
A dualidade onda-partícula dos elétrons foi confirmada experimentalmente poucos anos depois e,hoje, tem aplicação rotineira nos microscópios eletrônicos, que usam ondas de elétrons para produzir imagens de objetos microscópicos.
Debate intenso
Desde a década de 1920, sabe-seque os elétrons são dotados de massa, carga elétrica e também de spin, que, em inglês, significa ‘girar em torno de si próprio’. O spin é uma propriedade quântica do elétron, mas pode ser interpretado classicamente como se essa partícula estivesse em permanente rotação em torno de um eixo, como a Terra faz numa escala muito maior.
Como o elétron tem carga, ao spin está associado um momento magnético, que se comporta como uma minúscula agulha magnética, tendendo a se alinhar na direção do campo magnético ao qual a partícula está submetida. Os spins dos elétrons dos átomos de certos elementos químicos são responsáveis pelas propriedades magnéticas dos materiais.
A quantização das ondas e a dualidade onda-partícula se estendem a muitos outros tipos de ondas que podem surgir nos materiais sólidos. Por exemplo: as ondas de vibrações dos átomos que formam a estrutura (rede cristalina) de um material.
Denominadas ondas elásticas ou ondas acústicas – porque podem transportar som –, essas vibrações atômicas têm comportamento muito semelhante ao de partículas. Por isso, são chamadas quase-partículas, cuja ‘unidade’ mínima (ou quantum)é o fônon, com energia (E) também igual a hf. Já as excitações magnéticas nos materiais magnéticos são chamadas ondas de spin, cujos quanta são os mágnons.
Pergunta que surgiu ainda na década de 1920: os fótons podem ter spin? Em 1931, o físico indiano Chandrasekhara Raman (1888-1970) – que havia recebido o Prêmio Nobel no ano anterior pela descoberta de um efeito que leva seu nome – demonstrou que os fótons associados às ondas de luz que ‘vibram em círculos’ (tecnicamente, polarização circular) têm spin. Esse resultado está em Indian Journal of Physics (v. 6, p. 353, 1931).
Desde então, tem havido debate intenso entre os físicos sobre a possibilidade de quase-partículas – e, em particular, os fônons –também terem spin.
Truque simples
Recentemente, nosso grupo de magnetismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) demonstrou experimentalmente que os fônons também podem ter spin– esses resultados foram publicados em Nature Physics (v. 14, p. 500-506, 2018).
Esses experimentos foram feitos com um filme fino cristalino do tipo de um mineral chamado granada, mas fabricado artificialmente com os elementos químicos ferro, ítrio e oxigênio. Conhecida pela sigla YIG, essa granada é um material magnético.
Por conta de certas propriedades desse material, ocorre em seu interior uma interação (ou acoplamento) entre mágnons e fônons. Embora as frequências e os comprimentos de onda desses dois tipos de vibração sejam diferentes, é possível fazer com que as dos mágnons sejam alteradas, por meio da aplicação de um campo magnético externo.
Primeiramente, geramos mágnons no material por meio de um sinal de micro-ondas aplicado a uma antena de cobre colocada em uma das extremidades do filme. Depois, para variar a frequência deles– e aproximá-la daquela dos fônons –, usamos um truque simples: aplicamos um campo magnético não uniforme criado por dois ímãs pequenos e potentes colocados perto das extremidades da amostra.
Dessa forma, quando os mágnons se propagavam na direção do centro do filme, o campo local diminuía, causando uma diminuição do comprimento de onda dos mágnons,que eram,então,convertidos em fônons,mas tendo a frequência de micro-ondas.