Bola. Carrinho. Boneca. Patinete. Até pouco tempo atrás essas foram algumas das respostas de crianças à clássica pergunta: “O que você gostaria de ganhar no Natal?”. As tradicionais escolhas agora competem com action figures, tablet, videogame, celular. A velocidade de lançamento de produtos que atraem a atenção de meninos e meninas é tão vertiginosa que fica difícil prever qual será o preferido das crianças no ano seguinte. Mas qual o papel desses instrumentos de entretenimento no desenvolvimento infantil? Na era moderna dos brinquedos, caracterizada pelo apelo persuasivo da propaganda e do avanço da tecnologia, será que as crianças aceitariam propostas analógicas com conteúdo inovador?
O desenvolvimento motor, cognitivo, emocional e social das crianças está diretamente associado a estímulos sensoriais (tato, visão, audição, fala etc.). As experiências lúdicas vivenciadas durante a infância instigam as diversas habilidades humanas, no esporte, na música, em variados campos. Atualmente, pais e educadores usam uma vasta gama de jogos e outras ferramentas lúdicas para entreter, ensinar e educar os pequenos. No entanto, um setor que tem sido relativamente negligenciado é o da educação científica.
Recentemente, a pesquisa O que os jovens brasileiros pensam sobre Ciência e Tecnologia? mostrou que eles têm grande interesse pelo tema, independentemente de gênero ou grupos sociais. Contudo, são evidentes a desinformação sobre o processo científico e a desigualdade no acesso ao conhecimento. Talvez a ineficaz comunicação entre pesquisadores e os outros setores da sociedade contribua para o agravamento desses problemas entre adultos. Umas das maneiras de aprimorar a interação entre a produção científica e a população seria investir na comunicação de ciência nas escolas.
Aulas práticas de ciências, seja de química, física ou biologia, geralmente agradam à maior parte dos estudantes. No entanto, a infraestrutura disponível nessas instituições não permite o encantamento que a percepção experimental pode provocar. Por exemplo, ensinar microbiologia é um desafio em razão da micrométrica escala desses seres vivos. É um trabalho árduo, no qual se tenta explicar o invisível, fazer alunos compreenderem a incrível diversidade de tamanhos e formas dos microrganismos. Essa tarefa é ainda mais penosa para os professores brasileiros, uma vez que a maioria das escolas públicas não possui laboratório de ciências, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Além disso, existe um obstáculo para integração entre o conhecimento científico e a população: realizar a comunicação adequada. Nesse sentido, o pesquisador, médico e jornalista José Reis (1907-2002), considerado “pai” da divulgação científica brasileira, sempre pregou a necessidade de adaptação do rigor científico à linguagem popular.
Os microrganismos, por exemplo, muitas vezes, são tratados como um único ente maléfico à saúde humana, independentemente da grande diversidade e das funções essenciais desses seres em nosso planeta. Enquanto vivenciamos aqui essa superficialidade do ensino, uma cidadezinha da Suécia utiliza microrganismos para fornecer energia para toda sua frota de ônibus e como fertilizantes para agricultura. O que podemos concluir desse fato? Fica cada vez mais claro que ensinar microbiologia utilizando apenas as metodologias tradicionais não é suficiente. É preciso usar uma linguagem que amplie o entendimento da produção científica pela população, para que o conhecimento não seja parcial.
A integração entre escolas e instituições de pesquisa mostra-se essencial para permitir o acesso à experimentação e adaptação da produção científica à linguagem contextualizada. Diante desse desafio, nos últimos anos, as universidades investiram fortemente em atividades de extensão, em que novas ferramentas de ensino são frequentemente utilizadas e mostram-se promissoras para contornar a desmotivação com criatividade nas diversas áreas do conhecimento, promovendo a comunicação eficaz entre a produção científica e as crianças.
Os jogos, digitais ou analógicos, parecem ser uma abordagem promissora por desenvolver as habilidades do conhecimento lúdico, além de envolver questões científicas. Enfrentar desafios, tomar decisão, planejar estrategicamente, lidar com emoções e conflitos, apreciar outros pontos de vista são algumas das habilidades desenvolvidas, sem esquecer a principal: a capacidade de socializar e trabalhar em equipe.
Exemplos de iniciativas em jogos com temática em ciências, utilizando novamente a microbiologia como exemplo, são: o Projeto MicroTodos, do Instituto de Ciências Biomédicas, da Universidade de São Paulo (USP), que já produziu 11 jogos voltados para diversos níveis escolares; a parceria entre a disciplina de Pós-graduação em Medicina Tropical com Multimeios, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz/RJ), que lançou dois jogos (Imune e Caminho de Oswaldo); e o Núcleo de Entretenimento Ciência em Jogo, onde jogos educativos sobre microbiologia são produzidos por alunos no Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Esses três grupos, em tempos e locais diferentes, perceberam a defasagem no ensino de microbiologia no âmbito escolar e o potencial dos jogos de tabuleiro para o desenvolvimento da alfabetização científica das crianças e jovens, proporcionando um aprendizado significativo e contextualizado do grande mundo microscópico.
Iniciativas semelhantes existem em outras instituições de ensino superior no Brasil. O que é interessante nesses projetos é a tendência de disponibilização digital dos jogos de forma gratuita. Com a ampliação da comunicação científica, e o consequente interesse pela área, quem sabe no próximo Natal a criançada receba os jogos MicroLigue, MicroVilões em ação, Biota, Batalha de Micróbios ou Imune de presente?
Sidcley Lyra
Casa Oswaldo Cruz/Fiocruz
Fernanda Abreu
Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Uma das vozes mais proeminentes na Colômbia sobre ecologia e desenvolvimento sustentável, a bióloga Brigitte Baptiste conta o que a natureza e a abertura à mudança podem ensinar à humanidade sobre a importância da diversidade e a construção de um mundo sustentável.
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