“Sou irremediavelmente livresco”, afirmou, certa vez, o filósofo e crítico literário Benedito Nunes. Desse modo ele declarava sua imensa paixão pelos livros. Uma foto no colo de sua mãe, com um ano de idade, segurando já um pequeno volume, dá conta dessa ligação tão precoce quanto duradoura.
Ligação que se estendeu por várias bibliotecas, sendo a primeira a de seu pai, que ele, filho póstumo, não chegou a conhecer, e por fim a de sua casa, onde livros brotam em cada canto, rivalizando com a vegetação frondosa do exterior.
Nessa casa, em Belém, o pensador paraense concedeu as entrevistas que serviram de base a este perfil – a última delas realizada em novembro último, dia seguinte a seu 81º aniversário.
Quando esse material já estava praticamente pronto para publicação, tivemos a notícia de seu falecimento, em 27 de fevereiro passado. A reportagem tornou-se, assim, com tristeza, uma homenagem; ao mesmo tempo que um agradecimento pelos momentos de convívio com esse homem sábio, simples, generoso.
O reconhecimento nacional e internacional não modificou essas características. Menos ainda a admiração de seus conterrâneos. Na chegada a Belém, o motorista de táxi Salomão perguntou sobre o motivo da viagem e quando soube que o objetivo era entrevistar Benedito Nunes, logo exclamou, com sorriso largo: “Ah, o nosso filósofo!”.
O pensamento de Bené – como os amigos lhe chamavam – é uma presença viva em sua cidade natal, por exemplo a citação sobre a relação com a natureza logo à entrada do Mangal das Garças, um dos principais pontos turísticos locais. Permanece também nos muitos discípulos que formou, ao longo de mais de cinco décadas de ensino da filosofia.
Filósofo convicto
Na infância, Benedito foi, por muito tempo, a única criança na residência da avenida Gentil Bittencourt. Criado por sete mulheres – a mãe e suas seis irmãs –, estudou na pequena escola que uma das tias mantinha na própria casa. É possível que aí, na justaposição do ambiente de estudos e do doméstico, tenha começado o “autodidatismo sistemático” que sempre o norteou. A divergência constante entre as tias também resultou positiva – cedo percebeu as vantagens do pluralismo.
Terminado o quinto ano, ingressou, em 1940, no Colégio Moderno, que pôde cursar gratuitamente graças ao oferecimento de Augusto Serra, vizinho da família e proprietário da instituição. “Fiquei ali sete anos, sem pagar nada, assim como muitos outros meninos da turma”, conta Nunes. Diferenciando-se da maioria dos colegas, que optariam pela medicina, desde então já sabia que queria estudar filosofia.
O futuro já estava acertado. Iria para o sul, cursar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Isso se não tivesse havido um imprevisto – o tio banqueiro, que custearia seus estudos, faliu e não pôde cumprir a promessa.
Benedito Nunes ingressou, então, na Faculdade de Direito do Pará, lá se interessando especialmente pela fenomenologia. Nessa época, aos 19 anos, começou a lecionar filosofia no Colégio Moderno.
Em seguida, passou a ensinar história da filosofia e ética na faculdade em que se formou. Até ser criada a Faculdade de Filosofia do Pará (depois incorporada à Universidade Federal do Pará), da qual foi um dos fundadores.
Lá se aposentou depois de 35 anos, tendo recebido o título de professor emérito em 1998. Mas nunca parou de ensinar, tendo formado três gerações paraenses, sem falar nos cursos dados em outros estados brasileiros e em outros países, como França e Estados Unidos.
Ultimamente, dava aulas no Centro de Cultura e Formação Cristã da Arquidiocese de Belém, embora fosse agnóstico – ou “reconhecidamente herege”, como ele contou, rindo.
Renato Lessa
Universidade Federal Fluminense
Sheila Kaplan
Ciência Hoje/ RJ