A sensação de ‘bichos na pele’ pode ser imaginária?

Departamento de Microbiologia, Parasitologia e Imunologia
Centro de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Santa Catarina
Serviço de Neurologia
Hospital Universitário
Universidade Federal de Santa Catarina

Sarcoptes scabiei, ácaro da sarna

Vários ectoparasitos, como pulgas, piolhos, ácaros da sarna ou outros, podem causar coceira e lesões. Estas infestações são fonte de grande irritação e estresse para as pessoas atingidas. Mas, em alguns casos, ao consultar um dermatologista ou outro especialista, nada é encontrado, mesmo após cuidadosa raspagem da pele e exame ao microscópio.

Com a certeza da infestação, o paciente costuma voltar ao consultório com amostras de sua pele e de “bichinhos”, que ele acredita que estão ali. Em geral, leva essas “provas” em frascos ou caixinhas de fósforo ou ainda as fotografa para mostrar ao médico. Por isso, o problema tem sido chamado de “síndrome da caixa de fósforos” ou “sinal de imagem digital”. Por fim, a infestação não é mesmo constatada e de nada adiantam eventuais tratamentos com drogas antiparasitárias, pois não há realmente parasitos.

Esses casos, não numerosos, mas amplamente difundidos, têm sido relatados em diversos países, e há registros também aqui no Brasil. O problema é tão sério que alguns pacientes podem abandonar o emprego, queimar os móveis da casa, usar inseticidas perigosos, se ferir com substâncias corrosivas e escovas duras, na tentativa de “se livrar dos bichos”, chegando até a ter tendência suicida.

O procedimento médico deve ser investigar alergia, uso de drogas lícitas (álcool) e ilícitas (cannabis, cocaína, metanfetamina etc.), diabetes mellitus, problemas cerebrovasculares, entre outros.

Se todas essas possibilidades forem eliminadas, o diagnóstico possível é o delírio parasitário, chamado de síndrome de Ekbom, em homenagem ao neurologista sueco Karl Axel Ekbom (1907–1977), que a descreveu em 1938. Historicamente, a doença foi documentada pela primeira vez em 1656 pelo inglês James Harrington (1611-1657). Em 1894, foi chamada de acarofobia (medo de ácaros) pelo francês Georges Thibière (1856-1926) e, em 1896, de neurodermia parasitofóbica, pelo também francês León Perrin (1853-1922). No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Sociedade Americana de Transtornos Mentais, essa doença é classificada como Transtorno Delirante, do tipo somático.

Na presença desses delírios parasitários, o médico precisa descartar causas orgânicas, como as demências, em particular a demência por corpos de Lewy (que se apresenta clinicamente com alucinações visuais, parkinsonismo e flutuações do nível de consciência), delirium (distúrbio agudo, transitório e geralmente reversível, flutuante da atenção, da cognição e do nível de consciência) e uso de substâncias psicoativas. Conforme  dos pesquisadores Izabely Lima Assunção e colaboradores (2021), depressão, esquizofrenia, ansiedade e demência foram relacionadas à síndrome de Ekbom. Sua prevalência é maior em mulheres entre 50 e 60 anos, mas ocorre em pacientes de ambos os sexos e em várias idades.

É importante o reconhecimento dessa condição relativamente rara, que necessita de uma investigação médica para descartar outras doenças. Após a confirmação, o tratamento usualmente se dá com psicoterapia e prescrição de antipsicóticos e antidepressivos.

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