Passou quase despercebido, mas a gravata que Daniel Shechtman usou em sua conferência na 64ª Reunião Anual da SBPC era mais do que um simples adorno estético masculino. Estampada em azul royal, a peça revelava formas simétricas inspiradas em estruturas de quasicristais – tema que valeu ao químico israelense, em 2011, o prêmio Nobel da área.
“Foi um presente de meus colegas do laboratório”, disse Shechtman, que é professor do Instituto de Tecnologia de Israel. Eles encomendaram a peça com um estilista de Paris, “mas é claro que o tecido da gravata foi confeccionado na China”, brincou o laureado. É sua segunda visita ao Brasil; e a primeira vez que um prêmio Nobel participa de uma Reunião Anual da SBPC.
Auditório lotado. Shechtman falou sobre cristalografia – ciência experimental que, entre outras especificidades, ocupa-se do estudo e observação de cristais. Ele descobriu, na década de 1980, estruturas moleculares que ainda não haviam sido sistematizadas pela ciência, feito que o levou a bater de frente com a comunidade acadêmica e a confrontar Linus Pauling (1901-1994), praticamente um papa da química de então (a história, que vale a pena ser lida, foi registrada recentemente aqui na CH On-line).
Pesquisando contra a maré
Shechtman é bem-humorado, e, em tom jocoso, dividiu com os ouvintes algumas reflexões sobre sua trajetória de rejeição e posterior reconhecimento.
Entre 1982 e 1987, ele segurou uma barra e tanto por defender a validade científica dos novos padrões cristalinos que havia observado. Artigos sumariamente rejeitados, ‘convite para se retirar’ do grupo de pesquisa a que pertencia, afrontas intelectuais e as mais variadas gozações. “Não existem ‘quasi’ cristais; existem ‘quasi’ cientistas”, ironizou certa vez Pauling, atacando a credibilidade do químico israelense.
“Pauling foi um grande cientista, provavelmente o maior químico do século 20”, disse Shechtman. “Mas lhe faltou a mais importante das qualidades: a humildade.”
A cristalografia de então estava baseada em um paradigma segundo o qual não poderiam existir estruturas diferentes das já conhecidas. “Mas acontece que, muito frequentemente, paradigmas são equivocados.”
Shechtman foi enfático ao afirmar que quasicristais sempre existiram e provavelmente muitos cientistas já os haviam observado antes. “Porém, tiveram receio de seguir em frente com pesquisas aprofundadas na área, já que isso significaria questionar uma verdade científica inquestionável.”
Ciência cosmopolita em inglês tupiniquim
Questionado sobre suas impressões acerca da ciência brasileira e da inserção do Brasil no cenário científico internacional, Shechtman respondeu, em retórica eloquente: “Não existe ciência brasileira. Não existe ciência israelense, europeia, asiática ou americana. Existe ciência global. Ponto”.
Reforçou, no entanto, que sofremos de uma limitação elementar: a incapacidade de os brasileiros se comunicarem com eficiência em inglês. “Não é hebraico, nem português; atualmente, a língua na qual a ciência se comunica é o inglês”, conformou-se o israelense, reafirmando que é essencial dominarmos plenamente esse idioma.
Henrique Kugler
Ciência Hoje/ RJ