Mistura explosiva

Piratas e cientistas. Esse improvável encontro acontece no recém-lançado desenho animado Piratas Pirados!, do aclamado diretor de Fuga das Galinhas, Peter Lord, do estúdio inglês de animação Aardman.

A animação, primeira a usar a técnica de stop motion (que cria a ilusão de movimento pelo sequenciamento de fotografias de bonecos) junto com a exibição em 3D, conta a história de um grupo de atrapalhados piratas do século 19 liderados pelo Capitão Pirata.

O capitão de nome redundante quer ganhar o prêmio de Pirata do Ano, concedido ao homem do mar com o maior tesouro. Ele e sua tripulação se empenham em saquear navios sem sucesso até que invadem a embarcação de um jovem, pálido e fracote naturalista inglês em início de carreira: Charles Darwin.

Os piratas ficam crentes que vão arrancar de Darwin uma boa quantia, mas ele só tem animais exóticos em frascos. O destino do cientista, é claro, torna-se a prancha. Darwin só escapa da morte porque repara que o estranhamente gordo papagaio do capitão é um dodô, pássaro extinto das ilhas Maurício.

Darwin, que no desenho é representado de forma nada brilhante e até um tanto quanto egoísta, convence o Capitão Pirata de que em seu ombro repousa uma riqueza da ciência que deve ir diretamente para Londres, para ser exibida na feira de ciências da Royal Society. 

A partir daí, piratas assumem a posição de cientistas e cientistas cometem atos dignos de piratas em uma grande confusão que envolve até a rainha Vitória Regina da Inglaterra e seus estranhos hábitos alimentares.  

Assista ao trailer do desenho

Miscelânea total

Para além da mistura de técnicas e personagens, o desenho apresenta também certas liberdades históricas. O Capitão Pirata não tem qualquer dificuldade para invadir o navio no qual Darwin, apelidado de Chá Chá, viajava pela América Latina. No desenho, o jovem naturalista é apresentado como um viajante solitário, quando, na verdade, sua passagem por essas bandas do mundo foi feita em um protegido navio da marinha inglesa, o famoso Beagle.

Outra inconsistência está na rápida aparição de dois personagens que na vida real nunca poderiam ter convivido: a escritora inglesa Jane Austen, autora do romance Orgulho e preconceito, que morreu em 1817, e John Merrick, o Homem Elefante, que só nasceu meio século depois, em 1862.

Piratas Pirados! tem o mérito de incorporar ao roteiro a ciência como parte da cultura; que é. Sem nenhuma pretensão didática

As imprecisões de conteúdo e também uma visão clichê de cientista – como alguém chato e nerd – por vezes presentes na história podem incomodar alguns. Mas o desenho se distingue e ganha vivacidade justamente por fazer essas misturas improváveis.

Piratas Pirados! tem o mérito de incorporar ao roteiro a ciência como parte da cultura; que é. A ciência é um (não o principal) elemento que dá liga a esse produto cultural, sem qualquer pretensão didática. A própria teoria da evolução, que Darwin desenvolveria anos depois, só é citada em discretas piadas que, provavelmente, só os adultos entendem.

Pode ser que as crianças saiam do cinema com uma visão distorcida do que fazia e de quem era Darwin, mas, pelo menos, vão lembrar que ciência pode ser assunto de historinha e que pode ser divertida. 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line