Filhote de gorila-da-montanha (Gorilla beringei beringei). O contato com humanos torna esses animais vulneráveis a patógenos transmitidos pelo homem (foto: Kurt Ackermann).
As atividades de ecoturismo e mesmo de pesquisa podem favorecer a emergência de novos agentes causadores de doenças em grandes primatas na África, indica um estudo feito em Uganda. A pesquisa mostra que os gorilas que entram em contato com humanos, sejam eles guias de turismo ou cientistas, contraem bactérias patogênicas e manifestam resistência a antibióticos.
A situação é preocupante porque os primatas têm tido seu hábitat progressivamente invadido pelos humanos. “As populações nativas de gorilas não tiveram contato com humanos antes e têm a mesma fisiologia que nós, o que as torna vulneráveis a contrair doenças”, disse à CH On-line o veterinário Innocent Rwego, autor do estudo.
Rwego, pesquisador da Universidade Makerere, em Kampala, capital da Uganda, apresentou ontem os resultados da pesquisa no Fórum Internacional de Ecossaúde, realizado em Mérida, no México. O estudo foi feito na região do Parque Nacional Impenetrável de Bwindi, no sudoeste desse país da África Central.
Para avaliar se o contato crescente entre humanos e grandes primatas estava pondo em risco a saúde desses animais, Rwego trabalhou com três grupos de gorilas-da-montanha (Gorilla beringei beringei), com diferentes graus de interação com humanos: animais que tinham contato regularmente com turistas, aqueles que só lidavam com pesquisadores e os que não tinham qualquer contato com humanos.
As bactérias Escherichia coli presentes em amostras de fezes desses animais foram comparadas com as encontradas nas populações que vivem no entorno do parque, nos guias turísticos e nos cientistas que lidavam com os primatas. Os resultados acusaram uma grande similaridade genética entre as bactérias presentes em humanos e nos gorilas que tinham contato mais freqüente com eles. O parentesco era progressivamente menor nos animais que só lidavam com cientistas e nos gorilas selvagens.
Resistência a antibióticos
Rwego avaliou também se as bactérias encontradas nas fezes dos animais manifestavam resistência aos antibióticos comumente usados na região. Cerca de 22% das bactérias E. coli identificadas nos animais expostos ao ecoturismo tinham resistência a pelo menos um dos antibióticos testados – índice próximo aos 26% identificados em humanos. Nos animais em contato com pesquisadores, a taxa foi de 10%, e nos gorilas selvagens, de apenas 2%.
Gorilas-da-montanha fotografados no Parque Nacional Impenetrável de Bwindi, em Uganda. Esses animais ameaçados de extinção estão contraindo bactérias patogênicas humanas devido à prática do ecoturismo nessa reserva, considerada patrimônio mundial pela Unesco (foto: Duncan Wright).
Os resultados deixam claro que os gorilas que entram em contato com humanos estão em risco. Isso significa que deveriam ser adotadas políticas de restrição ao ecoturismo? Rwego acredita que haja outras soluções. “Limitar o ecoturismo, que é uma fonte de renda para as populações locais, teria um grande impacto sobre elas”, pondera. “Se respeitarmos as regras de saúde e vacinação, é provável que consigamos reduzir o problema da transmissão.”
Segundo o autor, uma solução para minimizar a transmissão de patógenos entre humanos e primatas seria controlar a população no entorno das áreas protegidas. “Com o ecoturismo, vem a modernização, surgem lojas e mais pessoas são atraídas”, explica. “Deveria haver políticas públicas para reduzir a migração para a região das áreas de conservação, onde o ecoturismo tem florescido.”
Bernardo Esteves (*)
Ciência Hoje On-line
04/12/2008
(*) O repórter viajou a Mérida financiado pela Federação Mundial dos Jornalistas de Ciência.