Nem só de colisões de partículas subatômicas e da busca pelo bóson de Higgs vive o Cern, a Organização Europeia de Pesquisa Nuclear, localizada em Genebra, na Suíça. O maior laboratório de física de partículas do mundo, lar do Grande Colisor de Hádrons – ou simplesmente LHC, para os mais íntimos –, também produz arte.
Na verdade, já há vários anos o Cern abre suas portas para visitas de artistas que tiram das pesquisas científicas a inspiração para todo tipo de arte, desde pintura e escultura até espetáculos de dança.
Algumas dessas obras, inclusive, estão expostas no próprio prédio da instituição, como o mural de Josef Kristofoletti representando o gigantesco detector de partículas Atlas e mais recentemente uma peça do escultor inglês Antony Gormley, doada pelo artista e exposta na entrada do prédio principal.
Mas este mês o Cern resolveu oficializar essa integração, anunciando uma política oficial para as artes que inclui um programa de residência com duração de três anos, aberto para artistas do mundo inteiro.
Os detalhes do programa serão anunciados no início de setembro, no Festival Ars Electronica, dedicado à arte digital e que acontece anualmente em Linz, na Áustria. O programa de residência é uma parceria do festival com o Cern, principal colaborador da edição de 2011 do evento.
Quântico dos quânticos
A organizadora de políticas culturais do Cern, Ariane Koek, conversou com a Ciência Hoje On-line sobre a interface entre arte e ciência e as concepções que embasam as iniciativas da instituição nesse campo.
“Cada uma funciona de um jeito: a arte, por meio dos sentidos, e a ciência, por meio de fatos e conhecimento. Mas ambas têm como objetivo final entender o mundo e o nosso lugar no universo. Se colocamos as duas juntas, imagina quantas coisas extraordinárias podem surgir!”
Ariane, que conhece bem o Brasil graças às frequentes viagens de trabalho, encoraja os artistas brasileiros a se candidatar a uma vaga. Ela explicou que os programas de residência são financiados pelas instituições parceiras do Cern e que ela já está em busca de parcerias semelhantes no país.
“O Brasil foi o primeiro país a se tornar oficialmente membro associado do Cern, e eu adoraria comemorar esse marco por meio de uma parceria com alguma instituição cultural do país.”
Segundo Ariane, não são apenas os artistas que se beneficiam da interação com os físicos do centro de pesquisa. “A integração faz com que os cientistas vejam o próprio trabalho com outros olhos, por uma perspectiva diferente, o que acaba aumentando a criatividade e enriquecendo o trabalho de pesquisa”, explica.
“O diálogo com os artistas também fortalece a capacidade de comunicação dos pesquisadores, que precisam encontrar novas metáforas e formas mais interessantes de descrever seu trabalho.”
Ariane observa que boa parte dos pesquisadores tem um interesse natural pelo assunto e que a presença de obras de arte no laboratório quebra um pouco a austeridade do ambiente. “A arte nos leva a pensar de outra maneira, menos tradicional e prescritiva. É quase como uma meditação.”
E diz, para concluir: “O projeto de artes é o mais recente experimento do Cern, que vai fazer colidir elementos ainda mais elusivos do que o bóson de Higgs. Esses elementos são a criatividade e a imaginação”.
Uma explicação que poderia perfeitamente ter saído da cabeça de Gilberto Gil, de quem, aliás, Ariane é fã, principalmente do álbum Quanta, que trata precisamente de ciência e física quântica. Tudo muito adequado.
Barbara Axt
Especial para a CH On-line/ Londres